27 março 2009

maus julgadores


A sociedade de tradição católica assenta no ideal de verdade. A verdade não admite litigação. Por isso, não existem hábitos de litigação num país de tradição católica. Sem litigação, sem ouvir as duas partes, não há julgamento. Daí a conhecida incapacidade de julgamento ou falta de sentido de justiça nos países de tradição católica.
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A primeira esfera de acção - embora não a única nem sequer a principal - onde a ausência de hábitos de litigação, e a consequente falta de julgamento, se faz notar, é no debate das ideias. Uma ideia nova que pretenda litigar com uma ideia já estabelecida e aceite como verdade não pode senão ser recebida com a máxima desconfiança. A ideia e o seu autor são geralmente tratados como ofensores à verdade. O desprezo e o escárnio pela ideia e uns insultos ao autor começam por ser o tratamento racional e adequado para quem ousa meter-se com a verdade. Porém, esta reacção às novas ideias não é senão uma manifestação de um julgamento viciado, em que a ideia nova, antes de ser condenada, não tem sequer a possibilidade de merecer uma audição justa.

Porém, é no domínio jurídico onde a ausência de hábitos de litigação e a incapacidade para julgar produz consequências desastrosas. Esta é uma sociedade assente na verdade e a verdade está na tradição, porque é a tradição que mostra como as coisas sempre foram feitas ou concebidas. Daí que esta sociedade não precise de um corpo autónomo de legisladores. As leis desta sociedade derivam directamente da tradição e não é necessário nenhum corpo de juristas para interpretar a tradição. Qualquer pessoa o pode fazer.

Na aplicação das leis, já referi noutras ocasiões o papel que é reservado ao juiz. Em matéria de direito penal, o tribunal num país de tradição católica pode funcionar como um departamento anexo ao departamento da polícia. Comete um crime quem falta à verdade, violando a tradição. A polícia apanha o criminoso e o juiz está logo atrás com a tabela das penas na mão para aplicar ao criminoso. Não há litigação posssível porque não se litiga com a verdade. E também não se dá qualquer margem de julgamento ao juiz porque ele vem de uma população que não possuindo hábitos de litigação também não possui hábitos de julgamento. O juiz nesta tradição é um funcionário público que diligentemente aplica as penas que o código penal lhe manda aplicar e os tribunais penais serão em geral departamentos do Estado.

E quanto às matérias cíveis que estão sujeitas a litigação (divórcios, partilhas, contratos, etc.) devem também os tribunais ser do Estado e os juizes funcionários públicos? Podem ser, mas convém não esquecer que esta população não possui hábitos de litigação nem capacidade de julgamento. Esta é uma população de maus julgadores. E o juiz que ganha o mesmo e é promovido por antiguidade, quer as seus julgamentos sejam bons ou sejam maus, não vai ter nenhum incentivo a educar a sua capacidade de julgamento neste ambiente de função pública.
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A existência de tribunais arbitrais privados e em concorrência uns com os outros, em que os preços servissem de indicação da qualidade do serviço (julgamento) seria um incentivo poderoso a educar juizes razoáveis, senão mesmo bons juizes, numa população que, por virtude da sua tradição cultural, é uma população caracteristicamente de maus julgadores. O apelo ao sector privado para corrigir a má qualidade do julgamento nos países de tradição católica tem o seu correspondente nos países de tradição protestante no apelo ao sector privado para corrigir a má qualidade da educação.

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