27 março 2009

para permitir a mentira


A litigação é uma instituição genuinamente protestante e totalmente estranha à tradição católica. Na tradição protestante a litigação é o meio indispensável para chegar à justiça e, por essa via, à verdade. Na tradição católica basta um homem armado com os factos e a razão para chegar à verdade e, portanto, à justiça.

Não existe lugar à litigação na tradição católica. Um homem que falte à verdade está condenado porque não se litiga contra a verdade. Um diferendo civil entre duas partes é resolvido pela instituição da arbitragem - esta sim uma instituição católica -, não pela litigação porque se uma das partes está certa e a outra errada, a litigação permitiria ainda litigar o erro contra a verdade.

A litigação é vista na tradição católica como uma forma de batota, uma maneira de dar ao erro o estatuto de verdade e uma oportunidade para o erro litigar contra a verdade e conquistar terreno à verdade. Por isso, como salientei no post anterior, qualquer tentativa de litigar ideias novas contra ideias estabelecidas nesta tradição é prontamente recebida com o escárnio e o insulto porque é assim que se tratam os batoteiros.

A situação é diferente se a litigação é introduzida no sistema jurídico de um país de tradição católica por especialistas que, em nome da modernidade ou de qualquer outra razão, a foram buscar aos países protestantes. É preciso não esquecer que nestes países a litigação é o meio para chegar à justiça e, em última instância, à verdade. Pelo contrário, nos países de tradição católica a litigação é um meio para fazer batota.

E é isso que ela vai ser. As primeiras leis a serem alteradas são as leis processuais, reforçando as garantias do arguido e o seu direito a fazer batota. O arguido chega a possuir o direito a mentir perante as autoridades policiais e os tribunais. Num país protestante, mentir às autoridades judiciais mandá-lo-ia imediatamente para a cadeia, independentemente de outros crimes. Num país católico passa a ser um direito do arguido porque para fazer batota é necessário, em geral, mentir. De pouco valeria ao arguido ter o direiro a fazer batota - isto é, litigar contra a verdade - se não pudesse mentir. E a litigação, que é o meio para chegar à verdade num país protestante, passa a ser um meio para permitir a mentira num país católico.

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