O tema de capa do Público de hoje - "Os Insultos no Parlamento" - é mais um sinal de que a democracia portuguesa está em crise e, muito provavelmente, à beira do fim. Desde 1820, quando foi pela primeira vez implementada em Portugal e nas numerosas vezes que desde então teve de ser suspensa, a suspensão foi sempre precedida de um período em que os insultos no Parlamento eram a regra.
O tema deste post é o da liberdade de expressão - uma instituição protestante. Primeiro, para analisar a natureza desta instituição no seio da sua tradição original. Depois para analisar como ela se converte e perverte quando aplicada no seio da tradição católica.
Na tradição protestante chega-se à verdade pela justiça, e a justiça é a solução de equidade entre duas posições litigantes. Para que a justiça seja encontrada é necessário que cada uma das partes possa defender-se livremente e aos seus argumentos ou teses. Daí a necessidade da liberdade de expressão. A liberdade de expressão surge, assim, como uma instituição de justiça e que visa servir a defesa.
Ora, as sociedades católicas não têm sentido nenhum de justiça (equidade). O que elas têm é o sentido da verdade. Daí que a instituição da liberdade de expressão, quando transposta da sua cultura protestante original para a cultura católica adquira um sentido completamente diferente, na realidade, exactamente oposto. Ela passa a ser vista, não como uma instituição da justiça, mas como uma instituição da verdade, e passa a ser utilizada, não para os propósitos de defesa (defense), mas para os propósitos de ataque (offense).
Na tradição católica, então, a liberdade de expressão converte-se numa instituição para chegar à verdade e para ofender aqueles que, na perspectiva de quem a utiliza, não possuem a verdade. Trata-se aqui daquela fragilidade essencial que eu atribuí ao intelectual catante. Ele quer imitar as instituições e os modos de pensamento dos protestantes, mas depois foge-lhe o chão debaixo dos pés, porque nunca se consegue libertar das instituições e dos modos de pensar da sua própria cultura católica.
Assim, ele usa a instituição da liberdade de expressão para chegar à verdade, quando ela foi na realidade concebida para chegar à justiça. Depois, como é radicalmente intolerante, fazendo jus à sua tradição católica, ele não admite verdade plurais, porque o pluralismo faz parte da tradição protestante, que não da sua. Por isso, qualquer verdade alternativa à sua é mentira (falsa) e, na sua tradição católica, a mentira pune-se com a penalização. Ele usa então a liberdade de expressão para penalizar o seu opositor, insultando-o.
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