08 março 2009

de serviço


São todos favoráveis à democracia, mas de todas as intituições que giram em torno da democracia, que é uma instituição protestante, aquela que eles proclamam mais admirar é a da liberdade de expressão. Como em geral possuem formação universitária, olham-se intelectualmente a sério, e uma parte da população portuguesa - que, em geral, não possui julgamento - olha-os intelectualmente a sério também. Poderia, pois, chamar-lhes intelectuais catantes, mas para não discriminar, porque alguns nunca chegam a tirar um curso, a despeito das suas pretensões intelectuais, chamo-lhes simplesmente catantes.

A minoria ruidosa na sociedade portuguesa é constituida por catantes. Eles ambicionam imitar uma das mais prestigiadas e invejadas instituições protestantes - a da liberdade de expressão - mas tendo nascido numa cultura católica, que eles se gabam de desprezar, mas da qual nunca se conseguem libertar, acabam por ficar com o pior das duas culturas. Ambicionando o sapato de veludo da cultura protestante, que nunca conseguem calçar, abandonam o sapato de cetim da cultura católica, que nunca mais conseguem recuperar. Ficam com o pior das duas culturas, o chinelo da cultura protestante num pé e o tamanco da cultura católica no outro.

O amor que proclamam à liberdade de expressão e ao debate das ideias só é igualado pelo ódio que declaram à censura e à conformidade do pensamento. Porém, como argumentei neste post, a liberdade de expressão torna-se nas mãos deles, não uma instituição para fazer justiça e um instrumento de defesa, mas uma instituição para chegar à verdade única e universal, que é típica da tradição católica, e um instrumento de ofensa a todas as verdades alternativas, e aos seus autores, as quais a sua tradição católica não consegue compreender nem aceitar.
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Aquilo que caracteriza os membros da minoria ruidosa - independentemente das suas idades, profissões, educação ou partidos políticos, se é que têm algum - é a sua ortodoxia radical e o seu radicalismo censório, que na sociedade católica só encontra paralelo na figura do inquisidor. Trata-se da consequência lógica e inexorável da combinação dos elementos da cultura protestante que eles não conseguem apreender com os elementos da cultura católica de que eles nunca se conseguem libertar.
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A instituição da liberdade de expressão (que é uma instituição protestante) é utilizada por eles, para chegar à verdade que, na sua cultura, é única e universal (quando, na cultura protestante, ela serve apenas para chegar à justiça, no sentido de equidade). Defendendo a liberdade de expressão, os catantes julgam ter chegado à verdade (quando, na realidade, chegaram à pior das iniquidades). Na sua cultura católica, a verdade é dicotómica (quando, na realidade, a verdade da tradição protestante é apenas tendencial). Portanto, na sua cultura católica, uma pessoa ou tem a verdade ou tem a mentira (quando na tradição protestante nenhuma pessoa é detentora da verdade ou da mentira). Na sua tradição católica, a pessoa que tem a mentira só pode ser moralmente condenada (quando na tradição protestante é meramente considerada em estado de erro). Como eles têm a verdade e os outros a mentira, a sua tradição católica impele-os a punir os outros (quando, na tradição protestante os impeliria a corrigir ou reformar os outros). A pena é o insulto, a ofensa e o amesquinhamento pessoal que é por eles servido pela instituição da liberdade de expressão (quando na tradição protestante a liberdade de expressão serviria para corrigir o erro dos outros).

Segue-se que a primeira e a mais distintiva característica dos catantes, os membros da minoria ruidosa, é a radical oposição entre aquilo que eles dizem ser e aquilo que eles, na realidade, são. Eles dizem ser adeptos indefectíveis da liberdade de expressão e opositores sem compromisso da censura. Aquilo que eles na realidade são é exactamente o contrário: eles são adversários indefectíveis da liberdade de expressão e defensores sem compromisso da censura. Eles são, na realidade, os censores espontâneos e de serviço na sociedade católica onde existe liberdade de expressão.

Uma sociedade católica na sua forma pura, como já argumentei noutro lugar, não pode viver sem censura. Nesta sociedade, a forma natural de censura é o exame prévio da expressão e esta é uma forma ex-ante e não violenta de censura. Porém, quando a sociedade católica adopta instituições que lhe são estranhas - como a da liberdade de expressão - ela faz reaparecer de forma espontânea a sua natureza censória, a qual se manifesta agora de maneira perversa, não pela forma ex-ante e pacífica que lhe é natural, mas por uma forma ex-post e violenta que lhe é totalmente estranha.

Volto ao laboratório do Portugal Contemporâneo. Se este blogue tivesse censura institucional, esta possuiria uma natureza ex-ante e pacífica (v.g., exame prévio dos comentários, exigência de identificação prévia dos comentadores, bloqueamento prévio de IP's). Porém, o PC não tem censura institucional. Poder-se-à, então, dizer que não existe censura no PC? Não, não pode. Existe censura e da pior, porque é uma censura ex-post e violenta - uma pessoa escreve um comentário e depois está lá alguém para a agredir violentamente, assim desencorajando qualquer pessoa de escrever comentários nas caixas do PC. É esta a função da minoria ruidosa no Portugal Contemporâneo, como é também na sociedade portuguesa. Os censores de serviço estão lá sempre, permanentemente, em todos os posts, não abandonam o lugar. (*)
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(*) O tema da minoria ruidosa será continuado em posts futuros.

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