28 fevereiro 2009

Portugal-Inglaterra


Nos posts anteriores tenho falado de sociedade de tradição católica na sua forma pura e de sociedade de tradição protestante na sua forma pura. Não existe tal coisa no mundo. Porém, ao pensar na forma pura e maximamente abstracta, é possível tornar mais evidentes os traços peculiares de uma e outra, clarificando o pensamento e as distinções.

Por outro lado, o objectivo último de uma teoria é o de explicar o funcionamento de sociedades concretas e prever a sua evolução e reacção perante instituições ou circunstâncias exógenas. Por isso, importará num dado momento responder à questão: Quais são, na prática, as sociedades católicas e quais são, na prática, as sociedades protestantes?

Para começar, elas devem ser procuradas dentro da esfera de influência do cristianismo, com sede na Europa Ocidental. Utilizando a França como país-fronteira, as sociedades predominantemente católicas estão a sul (Portugal, Espanha, Itália) e as sociedades predominantemente protestantes a norte (Inglaterra, Alemanha, Holanda, países nórdicos). E sendo necessário apontar o país mais genuinamente católico, no primeiro caso, e o país mais genuinamente protestante no segundo caso, a escolha deverá recaír sobre Portugal (seguido da Espanha) no lado católico, e na Inglaterra no lado protestante. Portugal, recolhido no seu canto da Península, não sofreu o embate directo das ideias protestantes que vinham através da França; foi a Espanha que resistiu ao embate, e a linha da frente foi a Catalunha, que ainda hoje possui as marcas da influência protestante. Por seu lado, a Inglaterra é o país onde o movimento protestante teve as suas origens mais remotas (John Wycliffe, 1320-84) e que, vivendo afastado do continente, onde o catolicismo teimou em prevalecer, mais conseguiu distanciar-se da influência católica. Portugal e Inglaterra são, por isso, talvez, os países que mais aproximam a sociedade católica e a sociedade protestante, respectivamente, idealizadas na sua forma pura. Todos os outros, como a Alemanha, a Austria, a Suíça, a Holanda etc., misturam elementos das duas culturas, com predomínio de uma delas (católica no caso da Áustria, protestante no caso dos outros países citados).

Quanto à América, a norte, encontram-se duas ex-colónias da Inglaterra - Canadá e EUA -, portanto, dois países predominantemente protestantes, e a sul, ex-colónias dos países ibéricos - Brasil, México Argentina, etc. -, portanto países predominantemente católicos. A Austrália e a Nova Zelândia, ex-colónias britânicas, são países predominantemente protestantes.

Questão diferente é a de saber porque é que os países do norte da Europa foram os países activos da Reforma religiosa do século XVI e se tornaram protestantes, enquanto os do sul foram os líderes da Contra-Reforma e permaneceram católicos. Existem razões históricas: Portugal e Espanha, na altura, dividiam o mundo entre si pelo Tratado de Tordesilhas e era a Igreja Católica - a antecessora da ONU - que garantia o direito internacional, convindo portanto aos dois países estarem de bem com a Igreja. A minha convicção é que existem outras razões mais profundas que explicarão a coincidência do catolicismo em países temperados e quentes e do protestantismo em países frios. O Joaquim já sugeriu que podem ser razões de ordem biológica, e eu tendo a suspeitar que ele tem razão, ficando a aguardar a sua contribuição nesta matéria.

A distinção entre países católicos e protestantes também coincide com a distinção entre países latinos e, arrumando os protestantes todos num saco, países anglo-saxónicos. Eu prefiro a primeira distinção à segunda, porque a língua não é a origem de uma cultura, é a sua expressão e, embora retroagindo sobre a cultura, não é ela que talha o espírito do homem e lhe confere as marcas distintivas de uma certa maneira de ser e de fazer - enfim, de uma cultura. Esse trabalho de talhar o espírito do homem foi feito pela religião, como argumentei aqui.

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