05 fevereiro 2009

o produtor é soberano


A ideia de que, no mercado, o comprador é soberano é um dogma propagado pelas ciências económicas e da gestão. Mas é um dogma válido somente para os países de tradição protestante onde, aliás, estas ciências tiveram a sua origem.

Porque nos países de tradição católica, como Portugal, a verdade é exactamente ao contrário: o produtor é soberano. Como procurei demonstrar aqui. Gostaria, no entanto de acrescentar alguns comentários.
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Aquilo que caracteriza o movimento protestante da Reforma é o facto de o povo passar a reconhecer-se o direito de ele próprio se organizar em grupos (seitas) e passar a oferecer uma ou várias mensagens religiosas, diferentes daquela que era oferecida pelo clero da Igreja Católica, que o povo via como uma casta à parte. Os produtos religiosos que passam a chegar ao mercado são agora a expressão da vontade e dos gostos do povo, e não mais a expressão da vontade e dos gostos daqueles que não são povo - o clero. A oferta de produtos religiosos passa agora a ser dominada por seitas que são a expressão da vontade popular, e replicam a sua variedade. É neste sentido que o povo, que é ao mesmo tempo o consumidor dos diferentes produtos religiosos, é soberano. Quando alguma variedade do produto faltar, ou a qualidade dos produtos existentes fôr má, o povo decide a questão organizando uma nova seita que preencha a lacuna. O consumidor é soberano.
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Diferente é a tradição católica. Aqui existe apenas um produto religioso e não são admissíveis outros. A ninguém é reconhecida a prerrogativa de se organizar para produzir um produto concorrente. A expulsão dos judeus e dos árabes da Península, e a resistência oferecida à entrada dos protestantes, não é senão uma expressão deste ditame. Se o produto é bom ou mau já não depende do povo, mas somente de quem o produz - a Igreja Católica. Nesta tradição é o produtor, não o consumidor, que decide aquilo que se pode produzir e aquilo que se vai produzir. O produtor é soberano.

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