20 fevereiro 2009

mais genial


Gostaria neste post de elaborar sobre o liberalismo de base ou liberalismo no espaço privado, que é uma das características da cultura católica, a que me referi anteriormente. Continuo a interpretar o termo liberal na sua acepção moderna, como sinónimo de tolerante ou flexível.

A Igreja Católica (do grego, Universal) ambicionou desde os seus primórdios ser um governo universal. Dir-se-à que a sua ambição era somente governar os espíritos, mas esta é uma forma ilusória de colocar a questão, porque quem governa os espíritos acaba sempre, inevitavelmente, a governar os corpos. Por isso, pode dizer-se sem receio de errar que o objectivo final da Igreja é o de governar o mundo no duplo sentido espiritual e político.

Para tal, ela teve de se preparar, quer na sua doutrina, quer na sua organização, para desempenhar essa tarefa. E ela está preparada. A organização da Igreja Católica que descrevi brevemente aqui, e que comparei a um triângulo, é a única organização possível para um governo mundial eficaz. Não é meu propósito neste post, porém, elaborar sobre este ponto. O meu propósito é elaborar sobre a doutrina.

Nenhuma Igreja protestante, apesar do seu proselitismo geralmente agressivo, conseguiu a penetração internacional que a Igreja Católica possui. A Igreja Católica é a única Igreja verdadeiramente internacional e firmemente radicada nos quatro cantos do mundo. Não existe outra. A razão é que as igrejas protestantes, com a sua excessiva concentração nos Evangelhos, são, do ponto de vista doutrinal, excessivamente rigoristas e inflexíveis. O puritanismo oferece o exemplo extremo. Estas são doutrinas perfeitamente adaptadas às culturas dos povos que as criaram, no norte da Europa e na América do Norte, mas estão, em geral, desastradamente equipadas para se adaptarem às culturas de outros povos, em África, na Ásia, mesmo no sul da Europa e na América Latina. Por isso, as igrejas protestantes permanecem marginais em todas estas partes do mundo.

Diferente é a doutrina católica tal como espelhada, em súmula, no Catecismo. Esta é também uma interpretação das Escrituras. Mas se a Igreja Católica pretende ser, desde sempre e como o seu nome indica, uma Igreja Universal, então, a sua doutrina tem de estar equipada para se adaptar a modos de viver e de pensar que são muito diferentes na Europa, na América, na Ásia, em África e na Oceania. A sua doutrina há-de ser a mais flexível, a mais aberta, a mais tolerante interpretação das Escrituras que é possível fazer - em suma, a mais liberal. E é isso que ela é.

Tomarei um exemplo que representa, talvez, o exemplo mais significativo da amplitude doutrinal do catolicismo. A doutrina católica, interpretando as Escrituras, destina-se em última instância a defender e a propagar o amor ao próximo e a caridade cristã. Quem pegar no Catecismo da Igreja Católica pela primeira vez talvez espere ir ler um volume que trata exclusivamente do amor e da caridade ao próximo. Desiluda-se. O Catecismo trata de política, economia, ciência, filosofia, moral e também religião. E no capítulo das relações com os outros, prega não apenas o amor ao próximo, mas - e aqui está a surpresa- também prega, no outro extremo, o seu oposto, a violência armada contra o próximo (obviamente, sob certas condições bem definidas (ver aqui)).

A doutrina da Igreja Católica é, talvez, a doutrina liberal mais genial que o pensamento ocidental e cristão alguma vez produziu. É uma doutrina produzida, não por um só homem, mas por muitos homens de génio ao longo de dois milénios. Não surpreende que esta doutrina pegue raiz em qualquer parte do mundo e que os povos que a adoptam acabem por se tornar povos imensamente liberais na forma como lidam com as pessoas e as coisas que fazem parte da sua vida diária.

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