19 fevereiro 2009

diabinhos


Neste post, pretendo regressar ao meu ponto de partida para responder à questão: Será que sociedade portuguesa é menos liberal do que a americana?

A maior parte dos portugueses responderia que sim, mas a resposta que ofereço neste post não é assim tão clara. É um Nim. Antes de responder, gostaria de precisar que entendo aqui liberdade no seu sentido moderno como a capacidade das pessoas para viverem como querem, desde que não prejudiquem os outros, em lugar de serem submetidas a um código de valores e comportamentos socialmente aceites, com exclusão de todos os outros. Neste sentido, liberdade significa largamente tolerância, e um liberal é uma pessoa que aceita o aborto, o casamento homossexual, a eutanásia e, mais geralmente, todas as formas de experimentação social.
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Como já deixei antever em posts anteriores, Portugal é uma sociedade mais liberal do que a americana no espaço privado - o espaço da pequena comunidade onde as pessoas se conhecem e convivem face-a-face, como a família, a vizinhança, o grupo de amigos, a escola e o emprego. Por outro lado, a sociedade americana é mais liberal que a portuguesa no espaço público - aquele espaço onde as pessoas convivem sem possuirem o conhecimento pessoalizado e íntimo umas das outras, como acontece na política, na profissão ou no sindicato, na cidadania e nas diferentes formas de sociabilidade em grande grupo.
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A diferença tem origem na educação que é dada às crianças nos dois países, logo desde a mais tenra idade. Compararei a este respeito a família típica americana com a família típica portuguesa. Fazendo jus à sua tradição protestante, com o ênfase que ela coloca nas Escrituras, a educação do jovem médio americano é muito mais estrita do que a educação do jovem médio português. Aquela é uma educação que tende a seguir à risca os princípios do Evangelho, a tal ponto que, aos olhos de um português, ela envolve, por vezes, aspectos, que parecem crueis. (veja um exemplo aqui).
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Muito diferente é a educação dos jovens em Portugal. Os ensinamentos que são transmitidos aos jovens e a maneira como se lida com eles, não derivam directamente dos Evangelhos (1) , mas dos ensinamentos da Igreja Católica. O livro base não é a Bíblia, mas o Catecismo. Ora, o Catecismo é uma interpretação humana da Bíblia, e uma interpretação extraordinariamente flexível e liberal, como não podia deixar de ser numa interpretação que se pretende universal (2). A educação que é dada às crianças e jovens portugueses é uma educação muito mais liberal que a educação tendencialmente puritana que é dada aos jovens americanos, e a diferença é observável à vista desarmada.
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Considere um grupo de crianças americanas e, ao lado, um grupo de crianças portuguesas da mesma idade. Observe agora. Cada criança americana parece um adulto em ponto pequeno, e todas as crianças mantêm-se no grupo aprumadas e sérias. Observe agora o grupo de crianças portuguesas. Há sempre um, pelo menos, que está a inventar, que já saiu da forma, que está a bater no parceiro, ou distraído a olhar para o lado. Na família média americana não há crianças traquinas, aquelas que estão sempre a inventar, a bater no irmão mais novo, a deitar o gato pela janela fora e a levantar as saias à empregada doméstica, e acerca das quais, os pais, com um certo ar de fatalismo e resignação, dizem: "Ai... meu Deus ... Não consigo fazer nada deste meu filho ...", enquanto, na família alargada e no grupo de amigos se acha graça e se comenta: "Eh pá, este miúdo é o máximo!". É claro que esta é a educação propícia à produção de meninos mimados, uma figura que já tratei anteriormente.
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Uma sociedade, como a americana, em que as crianças são educadas, quase desde o nascimento, a comportarem-se de forma responsável e adulta é uma sociedade que, quando elas se tornam adultas, pode confiar no seu julgamento para que façam as escolhas na vida e tomem as decisões que só a elas dizem respeito, desde que não prejudiquem os outros. Esta é uma sociedade que, em consequência, pode ser liberal na esfera pública, no sentido em que cada um pode viver e comportar-se como quer porque se espera que o seu comportamento seja sempre responsável.
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Diferente, muito diferente, seria o resultado se a mesma liberalidade fosse concedida na esfera pública aos portugueses. Educados com a máxima liberdade, habituados a fazer aquilo que lhes dá na real gana, meninos mimados por excelência, estes pequenos diabinhos, se não lhes forem impostas barreiras no espaço público, transformam-se ems potenciais malfeitores quando se tornarem adultos. Daí a necessidade absoluta de o espaço público em Portugal ter de ser comparativamente menos liberal e tolerante que o americano, a fim de conter os instintos e os defeitos da educação excessivamente liberal que é dada aos portugueses na infância.
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(1) Os portugueses, como todos os povos católicos, não lêem a Bíblia. Para quê, se está lá o padre para o fazer por eles e lhes dizer como é?
(2) Católico significa, do grego, universal.

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