09 fevereiro 2009

à direita

Se bem o entendi, o José defende a tese curiosa de que não existem, nem existiram nunca na III República Portuguesa, verdadeiros partidos de direita, mas apenas partidos social-democratas, neste número se incluindo o CDS e o PSD.

A tese é interessante, mas não absolutamente original. Não querendo provocar o José, eu diria que isto mesmo é subscrito pelos partidos e sectores convencionalmente designados de “extrema-direita”, que consideram aqueles partidos de esquerda e a si mesmos como os únicos genuínos representantes da direita, embora de uma direita não parlamentar (o que, aliás, ideologicamente até lhes agrada, embora as teses dominantes nesses meios de “tomar o sistema por dentro” os leve ciclicamente a disputar eleições democráticas).

Não sendo, obviamente, esta a posição do José, ambas contêm implicitamente uma crítica ao sistema democrático, que condicionaria a verdadeira direita na possibilidade de se manifestar com êxito político e partidário. Essa crítica não é inteiramente justa.

Uma apreciação rigorosa da questão implicaria, antes de tudo, determinar com exactidão o conceito de “direita política”. Ora, é sabido que isso é praticamente impossível, desde logo, por não se poder considerar a direita unívoca nas suas manifestações ideológicas e, por extensão, partidárias, como também não é fácil considerar estanques alguns dos pressupostos políticos que contribuiriam para esse conceito.

O primeiro critério delimitador da direita face à esquerda é, curiosamente, físico e geográfico. A direita situa-se do outro lado da esquerda, e, desde a primeira Assembleia Nacional saída da Revolução Francesa, senta-se no espaço físico que lhe corresponde nos parlamentos em que tem lugar. O critério parece insignificante, mas não é. Trata-se de assumir uma separação de águas, uma delimitação de espaço político e ideológico, um traçar de linha de fronteira, que é, como sabemos, a essência do político. Essa delimitação de espaço físico terá correspondência ideológica. Pelo menos, é isso que se espera.

Depois, no que aos valores e princípios se refere, a direita comporta e congrega um sem número de abrangências. Ela será, contudo, menos estatista do que a esquerda, mais personalista e individualista, e menos colectivista do que aquela. Preferirá a propriedade privada à pública, seja por razões de ordem económica e moral (a propriedade como direito natural e forma de realização da pessoa humana e da livre iniciativa), seja por motivos de índole religiosa (a propriedade como direito inerente à condição humana, divinamente concebida e ao serviço de uma finalidade social e superior ao indivíduo). Deve privilegiar as liberdades cívicas e os direitos individuais à autoridade do estado. É menos intervencionista e dirigista, se possível, nada intervencionista e dirigista. É contrária à planificação económica e social. Respeita as tradições da comunidade, nas quais vislumbra vestígios da “ordem social espontânea” liberal. Não é revolucionária e, por consequência, deverá enjeitar todas as intervenções sociais, a partir do estado, que visem a criação de uma “sociedade nova”, de um “país novo”, de um “novo homem”. Também não lhe fica bem atacar as instituições tradicionais, entre elas, as de cariz religioso, deixando a despesa desses festejos à esquerda. Festejos contra os quais deverá, aliás, manifestar-se.

Dentro destes largos parâmetros, muitas direitas podem ser encontradas. Mais ou menos keynesianas, mais ou menos estatistas, mais ou menos individualistas, mais ou menos defensoras das liberdades individuais face à autoridade do estado. Na mesma direita democrática encontramos, por exemplo, partidos e movimentos que exaltam o estado e cultivam a devoção messiânica aos “estadistas” com quem se identificam (v.g. o gaullismo), que execram o estado (os liberais europeus e os libertários norte-americanos), que são conservadores, que são evolucionistas, que são democratas-cristãos, etc.
Sucede, todavia, que o regime democrático contemporâneo criou, de facto, uma mediania comum aos partidos, da esquerda e da direita, que são chamados com maior frequência ao exercício do governo. As oscilações governativas são cada vez menores entre os partidos do “Grande Centro”, isto é, todos quantos aspiram e chegam ao poder. Isso compreende-se, na medida em que o estado e as questões do poder e da soberania são mais atractivas do que as ideologias. Estas transformaram-se, efectivamente, mais em receituários para convencer o eleitorado, do que propriamente em programas de governo nos quais os políticos efectivamente acreditam. Esse problema é comum e transversal a todas as democracias ocidentais e, por isso, a ausência de “partidos de direita” que o José detectou em Portugal, é a mesma nos países nossos vizinhos e civilizacionalmente próximos, no mesmo período de tempo.

Existem, contudo, algumas diferenças que têm ainda algum significado, entre os partidos considerados de esquerda e da direita democrática. É certo que são cada vez mais pontuais do que estruturais. Faria falta, na verdade, mais ideologia e pensamento político e menos pragmatismo. Talvez as próximas derrotas eleitorais que, em Portugal, se aproximam, permita que os seus futuros responsáveis repensem sobre o que deve ser um partido de direita em Portugal.

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