Começo por definir espaço público e espaço privado que o comentador Shri já sugeriu aqui. O espaço privado é a esfera das relações face-a-face, onde as pessoas se conhecem e habitualmente se encontram - a família, a vizinhança, o grupo de amigos, a escola e, no limite, o emprego. O espaço público, pelo contrário, é a esfera das relações envolvendo pessoas que não se conhecem no sentido íntimo referido acima. É o espaço das relações na profissão, na política, na cidadania, no sindicato, nas ocasiões sociais.
Estou agora em condições de responder à questão que coloquei no post anterior: Porque é que os portugueses detestam parecer mal no espaço público e são, por isso, imensamente susceptiveis - e imensamente iguais nesta susceptibilidade - em relação a tudo aquilo e a todos aqueles que os possam fazer parecer mal em público, por mínimo que seja?
Antes de responder à questão, imagine um grupo de portugueses agindo no espaço público, por exemplo, a comemoração do centenário dos Bombeiros Voluntários de S. Marta de Penaguião. Esqueça por um momento os bombeiros e concentre-se nos participantes civis.
Olhe para os participantes, todos têm um ar grave, sério, solene, hirto. Estes são os mesmos portugueses intimistas, descontraídos, contadores de anedotas, na esfera privada. Mas não parecem.
Olhe para os homens, todos vestidos de igual, fato escuro e gravata, sapato solene. Entre as senhoras, o estilo do vestido é o mesmo, a única coisa que varia é a côr, mas os penteados são os adequados para a ocasião, e é óbvio que todas foram ao cabeleireiro. Estes são os mesmos portugueses que, na esfera privada, gostam de se diferenciar uns dos outros naquilo que vestem, e que frequentemente se vestem e penteiam de forma fantasiosa. Mas não parecem.
Repare agora nos discursos. Dizem quase todos a mesma coisa no mesmo tom grave, nas mesmas palavras caras, na mesma emocionalidade, no mesmo vazio de substancialidade. Estes são os mesmo portugueses que, em privado falam calão, capazes de se rirem de si próprios e dos outros, e imensamente realistas (down-to-earth). Mas não parecem.
Os portugueses, como salientei aqui a propósito das sociedades C, não são particularmente religiosos. São devotos. A ideia que comanda a sua cultura é a ideia de Deus, frequentemente substituida por algum outro símbolo religioso, mas que é sempre pessoalizável - a Virgem, um Santo Padroeiro - e aos olhos de Quem eles ambicionam parecer bem, quanto mais não seja em retribuição das preces que Lhe dirigiram.
É quando os portugueses se apresentam em público que eles estão sujeitos ao escrutínio dos outros. É aí que se tira a prova-dos-nove se eles são ou não boas pessoas e merecedoras da benção divina, da Virgem ou do Santo. Claro que são. Basta olhar para eles. E são todos, porque em público eles apresentam-se e comportam-se bem e de maneira exactamente igual uns aos outros (*).
(*) Gostaria a este propósito de me pronunciar sobre uma avaliação que Pessoa fez dos portugueses - a de que eles são muito disciplinados. Não são nada: o que eles são é muito bem-comportados em público (que não, necessariamente, em privado).
Estou agora em condições de responder à questão que coloquei no post anterior: Porque é que os portugueses detestam parecer mal no espaço público e são, por isso, imensamente susceptiveis - e imensamente iguais nesta susceptibilidade - em relação a tudo aquilo e a todos aqueles que os possam fazer parecer mal em público, por mínimo que seja?
Antes de responder à questão, imagine um grupo de portugueses agindo no espaço público, por exemplo, a comemoração do centenário dos Bombeiros Voluntários de S. Marta de Penaguião. Esqueça por um momento os bombeiros e concentre-se nos participantes civis.
Olhe para os participantes, todos têm um ar grave, sério, solene, hirto. Estes são os mesmos portugueses intimistas, descontraídos, contadores de anedotas, na esfera privada. Mas não parecem.
Olhe para os homens, todos vestidos de igual, fato escuro e gravata, sapato solene. Entre as senhoras, o estilo do vestido é o mesmo, a única coisa que varia é a côr, mas os penteados são os adequados para a ocasião, e é óbvio que todas foram ao cabeleireiro. Estes são os mesmos portugueses que, na esfera privada, gostam de se diferenciar uns dos outros naquilo que vestem, e que frequentemente se vestem e penteiam de forma fantasiosa. Mas não parecem.
Repare agora nos discursos. Dizem quase todos a mesma coisa no mesmo tom grave, nas mesmas palavras caras, na mesma emocionalidade, no mesmo vazio de substancialidade. Estes são os mesmo portugueses que, em privado falam calão, capazes de se rirem de si próprios e dos outros, e imensamente realistas (down-to-earth). Mas não parecem.
Os portugueses, como salientei aqui a propósito das sociedades C, não são particularmente religiosos. São devotos. A ideia que comanda a sua cultura é a ideia de Deus, frequentemente substituida por algum outro símbolo religioso, mas que é sempre pessoalizável - a Virgem, um Santo Padroeiro - e aos olhos de Quem eles ambicionam parecer bem, quanto mais não seja em retribuição das preces que Lhe dirigiram.
É quando os portugueses se apresentam em público que eles estão sujeitos ao escrutínio dos outros. É aí que se tira a prova-dos-nove se eles são ou não boas pessoas e merecedoras da benção divina, da Virgem ou do Santo. Claro que são. Basta olhar para eles. E são todos, porque em público eles apresentam-se e comportam-se bem e de maneira exactamente igual uns aos outros (*).
(*) Gostaria a este propósito de me pronunciar sobre uma avaliação que Pessoa fez dos portugueses - a de que eles são muito disciplinados. Não são nada: o que eles são é muito bem-comportados em público (que não, necessariamente, em privado).
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