05 janeiro 2009

EBM

A propósito do debate sobre o conhecimento a priori, gostaria de dar conta de uma disputa bastante belicosa, de epistemologia, que tem tido lugar entre médicos.
A disputa é entre os defensores do paradigma patofisiológico e os defensores da chamada EBM – Medicina Baseada na Evidência. O paradigma patofisiológico foi estabelecido por cientistas como Morgagni (1682–1771) e Virchow (1821-1902) e considera as doenças como alterações do estado fisiológico normal. Os médicos procuram estudar as alterações patológicas e repor, sempre que possível, a fisiologia normal.
Os defensores da EBM defendem que os conhecimentos patofisiológicos são insuficientes para interpretar as doenças e, em particular, a eficácia dos tratamentos e propõem, em alternativa, a supremacia da evidência empírica sobre a patofisiologia. Na medicina, a evidência empírica resulta de estudos clínicos randomizados.
Estão mesmo a ver que esta é uma disputa entre Apris e Empis. Eu, obviamente, defendo os Apris. Nenhuma das partes em contenda nega a importância da patofisiologia ou dos estudos clínicos, a disputa é sobre a supremacia de cada um dos métodos.
Vamos a um exemplo concreto: o exercício físico é útil para tratar a obesidade? Eu não necessito de nenhum estudo empírico para demonstrar esta afirmação, bastam-me os conhecimentos de fisiologia. Os Empis não pensam assim, desenham estudos clínicos randomizados e submetem depois os resultados a um tratamento estatístico. Se o grupo de obesos, no estudo, perder peso com o exercício, concluem pela veracidade da afirmação.
O verdadeiro problema epistemológico surge quando os resultados dos estudos clínicos são contrário aos princípios fisiológicos. E se os obesos que fizerem exercício físico engordarem?
Para o Apris este resultado seria imediatamente interpretado como fruto de um estudo mal conduzido e que não deveria ser considerado. Para os Empis seria a demonstração da falibilidade dos princípios patofisiológicos. Há muitas razões para um gordo que faça exercício físico engordar: sente-se melhor, está mais feliz, come mais! Quer isso dizer que a patofisiologia é insuficiente? Claro que não. Ceteris paribus, os obesos que façam exercício físico perdem peso porque aceleram o metabolismo.
Em 1999, publiquei um primeiro artigo sobre este assunto que foi bastante bem recebido (30 citações):
Couto JS. Evidence-based medicine: a Kuhnian perspective of a transvestite non-theory. J Eval Clin Pract 1999; 4: 267–75.
Nesse artigo propus o seguinte princípio:
Se um estudo clínico obtiver resultados contrários aos princípios patofisiológicos, deve prevalecer a patofisiologia sobre qualquer evidência empírica. Até agora ainda ninguém me conseguiu demonstrar o contrário.
Penso que o meu princípio se pode estender a qualquer outra área do conhecimento humano. Os gordos que façam exercício físico não é suposto engordarem. Do mesmo modo, a abolição da propriedade privada é incompatível com o desenvolvimento económico. O aumento da carga fiscal prejudica o crescimento económico, etc.

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