03 dezembro 2008

O "bailout" do BPP


A solução encontrada para salvar o Banco Privado Português (BPP), que o Estado se prepara para apoiar, é muito parecida com aquela que este ano se realizou nos Estados Unidos entre o JP Morgan e a Bear Stearns. Na altura, na iminência da Bear Stearns se declarar insolvente, o Estado norte-americano, através da Reserva Federal, disponibilizou um aval bancário ao JP Morgan para que este absorvesse a Bear Stearns. Desta feita, os seis bancos portugueses convocados por Vítor Constâncio, com a garantia do aval do Estado, farão o mesmo com o BPP. A diferença é somente uma: a Bear Stearns, então o quinto maior banco de investimento norte-americano, oferecia risco sistémico enquanto que o BPP, que representa 0,3% do sistema bancário português, não apresenta qualquer risco dessa natureza. Aliás, foi o próprio ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a admiti-lo há uma semana atrás.

Infelizmente, para além das contradições públicas do nosso ministro, este plano de salvamento, suportado pelo dinheiro dos contribuintes, assenta em três pontos muito discutíveis. Primeiro, que o incumprimento do BPP, avaliado em cerca de 0,5% do PIB nacional, coloca em risco a credibilidade financeira da República Portuguesa. Tenho dúvidas. Como ponto de comparação, no caso da Bear Stearns o risco de incumprimento era de 4% do PIB norte-americano. Segundo, que o valor da carteira de títulos detida pelo BPP recuperará de forma significativa. Talvez. Até pode acontecer, mas quanto tempo demorará? Terceiro, que existe interesse público no BPP. Não me parece. Pelo contrário, o interesse reside exclusivamente na órbita dos seus "stakeholders" privados, pois trata-se de um banco de investimento que não actua da forma convencional característica de qualquer banco comercial.

O problema registado no BPP é o mesmo em que qualquer investidor particular incorrerá se pedir dinheiro emprestado para investir na bolsa e esta lhe trocar as voltas. De acordo com a edição de hoje do Público, o empréstimo contraído pelo BPP junto do JP Morgan e que lhe permitiu comprar uma participação de relevo no BCP, era aquele que estava em maior risco de incumprimento e que mais terá assustado o Estado português. Esse empréstimo foi utilizado pelo BPP para comprar acções do seu concorrente BCP a 3,2 euros por título, cuja cotação baixou, entretanto, para menos de 90 cêntimos - uma desvalorização de 72%. Deste modo, para que o investimento, concretizado através desse empréstimo, resultasse em mais valias para o BPP, a cotação das acções do BCP teria agora de valorizar 264%. É a velha história da matemática: quando a cotação de um título passa de 100 para 50 ocorre uma desvalorização de 50%, mas depois para regressar ao ponto de partida, para passar de 50 para 100, será então necessária uma valorização, não de 50%, mas sim de 100%. Infelizmente, este exercício aplicar-se-á a outras participações accionistas do BPP, porque o banco se esqueceu da primeira regra de quem investe na bolsa: definir perdas limite e exercer as respectivas "stop losses".

De resto, a imprensa financeira de ontem destacava que o Estado estará protegido pelo conjunto de activos detidos pelo BPP que, por sua vez, estarão avaliados em mais de 650 milhões de euros. Pois então, se o aval agora concedido pelo Estado representa um montante de 450 milhões de euros, inferior ao património do banco, para quê o salvamento? Por uma simples razão: esses 650 milhões de euros estão empolados, porventura contabilizados ao preço de custo e difíceis de transaccionar no imediato. A própria sede do BPP, que ontem, com algum sensacionalismo, se noticiava como tendo sido hipotecada pelo Estado, não valerá mais do que 3 ou 4% dos 750 milhões que o banco afirmou, publicamente, necessitar com urgência. Portanto, a solução encontrada é engenhosa. Permite ao BPP respirar fundo e esperar que o valor de mercado das suas participações accionistas recupere. Contudo, se isso não acontecer, se as cotações continuarem a afundar - bastando para tal que se repita o cenário de 1929, que muitos analistas consideram análogo ao momento presente - o montante avalizado pelo Estado vai ter de aumentar. Sem nenhum risco para o consórcio de bancos envolvido, mas com todo o risco sobre os contribuintes.

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