15 novembro 2008

um censor potencial


O objectivo principal dos meus últimos posts, e que constitui o tema da minha curiosidade intelectual presente, não é tanto o de repisar um ponto que eu há muito tenho como adquirido - a resistência pública da cultura portuguesa (católica) às novas ideias e a sua intolerância pública pelo debate racional. O meu objectivo é o de saber que função ou funções esta faceta desempenha na cultura.

Embora eu ainda não me sinta em condições para assentar um conjunto de teses a este respeito, gostaria de ir adiantando que as minhas conclusões preliminares são mistas e que, na minha opinião, a intolerância e a resistência a novas ideias serviu positivamente, em alguns aspectos importantes, e continua a servir hoje, a cultura portuguesa e os portugueses em geral.

O propósito deste post é, porém, outro. É o de chamar a atenção para o facto de a democracia não ter erradicado a cultura censória em Portugal. Pelo contrário, deu-lhe apenas outras formas. Um povo que conviveu durante séculos com a Inquisição e depois com a censura oficial, não pode apontar simplesmente o dedo à Igreja e a Salazar (na realidade, a censura oficial foi criada muito antes dele), e depois cada um dizer para si: "Eu cá sou muito tolerante, a Igreja e o Salazar é que não".

São necessários dois para dançar o tango e a realidade é que existe em cada português um censor potencial. Já não existe a Inquisição nem o SNI. Mas a democracia, permitindo a cada um exprimir as suas convicções em público, e fazendo-o geralmente de forma massificada através dos partidos, trouxe a censura para a rua, e ela exerce-se agora a cada esquina e sob as mais variadas formas. A blogosfera continua a ser a este respeito um excelente laboratório de observação.

Neste artigo, Eurico de Barros categoriza algumas das formas de censura espontânea - no sentido em elas emergem naturalmente da população - em relação a qualquer ideia nova e ao debate racional: o amesquinhamento moralizante, a refutação sobreexcitada, a contradição irracional, a rejeição intelectualmente vácua, à qual várias outras se poderiam juntar e às quais já fiz referência em posts anteriores: o insulto, a ridicularização, a sabotagem do debate intelectual (vg, via atribuição de intenções) a auto-atribuição de estados de alma (vg, "estou com os azeites, com a mostarda no nariz, ou com a mosca"), etc.

Não é fácil lidar com inquisidores ou censores oficiais. Mas ao menos sabe-se quem eles são, onde estão e ao que andam. A margem de manobra para os iludir é ainda considerável. Muito mais difícil é resistir à censura quando ela é espontânea e se exerce através de movimentos de massa (os partidos são os principais agentes da censura em democracia). Aí, a prazo, não há escapatória, ela encontra-se a cada esquina, em cada redacção de jornal, rádio ou televisão, em cada universidade, em cada caixa de comentários de um blogue.

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