20 novembro 2008

nem que seja à martelada


Alguns comentadores deste blogue têm vindo a acusar-me de eu não me prestar ao debate na blogosfera - o mais recente, suponho, foi o Luís Lavoura. É verdade que não o faço, embora não pelas razões que frequentemente me atribuem. Eu já expliquei mas gostaria de voltar ao tema.

Não se trata de qualquer desrespeito pelos leitores. Trata-se de que eu não acredito que, na nossa cultura, o debate das ideias, sobretudo em público, conduza a qualquer fim - e certamente que não à produção de ideias novas. O meu interesse pela blogosfera reside em ela ser uma excelente observatório - ou laboratório, como já anteriormente lhe chamei - sobre a cultura portuguesa e a personalidade do povo português, que é um tema que me interessa profundamente.

A nossa cultura detesta ideias novas - às vezes chamadas novidades - e, por isso, não deixa que elas sejam produzidas. A respeito da produção de ideias os portugueses são, por assim dizer, um zero-à-esquerda. Os portugueses possuem outros atributos, mas certamente que não esse. Esta é uma tese que eu tenho reiterado neste blogue. E aquele que é, na minha opinião, um dos mais argutos observadores de sempre da cultura e do espírito portugueses não tinha opinião diferente a este respeito:

"Julgo que entre as reais qualidades do nosso espírito não se conta uma forte independência mental. Somos capazes de glosar, desenvolver, aplicar ou rectificar ideias alheias; raro teremos lançado no Mundo uma concepção nova ou nos teremos emancipado completamente do jugo das concepções alheias" (1).

A principal tecnologia para a produção de ideias é o debate intelectual, cujas peças essenciais o Ricardo caracterizou apropriadamente em post anterior como sendo três - o desejo e a boa-fé para chegar à verdade, a coerência racional e a clareza da expressão. O que fazem as pessoas numa cultura que detesta ideias? O mesmo que fariam numa cultura que detesta gelados - partem as máquinas de gelados. A forma mais eficaz de impedir a produção de ideias é destruir a sua tecnologia de produção - o debate intelectual.

Esta destruição não é premeditada nem sequer intencional, mas puramente espontânea e, por isso, ocorre independentemente de alguém se aperceber disso. Sabotar o debate intelectual, partir a maquinaria da produção de ideias utilizando todos os instrumentos que estiverem à mão, nem que seja à martelada, de maneira que, no final, não fique a mínima possibilidade sequer de as pessoas se entenderem acerca de uma ideia, é, portanto, uma das características mais salientes da cultura portuguesa.

O meu interesse pela blogosfera reside em ela permitir obervar estes processos espontâneos que seriam de muito mais difícil e lenta obervação em qualquer outro meio de comunicação social. Quanto ao debate de ideias, ele não serve para nada em Portugal. O debate de ideias é uma instituição útil nos países que apreciam ideias novas, como os países de tradição protestante, e por isso é daí que saem predominantemente a ciência e os homens de pensamento.
(1) Salazar, Discursos, op. cit., vol IV, pp. 248-9.

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