The Pretence of Knowledge, que o João Miranda invoca aqui, é um dos artigos mais famosos do economista F. A. Hayek. O argumento do artigo é o seguinte. Uma sociedade humana é um processo altamente complexo. Nenhum homem, ou grupo de homens, possui a informação suficiente para conhecer, sequer com razoável aproximação, todos os efeitos que uma medida de política económica ou outra produzirá na sociedade. Efeitos não-pretendidos serão gerados. Noutros casos, os efeitos da política poderão ser mesmo opostos aos pretendidos. Em vista desta ignorância inelutável, os homens que detêm o poder coercivo do Estado devem inibir-se de adoptar políticas económicas ou outras que interfiram com o processo espontâneo da sociedade. Levado ao extremo, o argumento sugere que o Estado se retire da esfera económica da sociedade. É este o argumento moderno em defesa do Estado mínimo - a ignorância dos decisores políticos acerca dos efeitos que as suas próprias decisões produzirão na sociedade.
Existe um elemento no argumento de Hayek, e que é recorrente em toda a sua obra, que merece referência. O argumento anula o homem individual - em razão da sua ignorância - e enaltece a sociedade, a qual possui no seu seio informações, relações, planos, micro-processos aos quais qualquer homem individual ou grupo de homens, por mais inteligentes que sejam, nunca conseguirão aceder. Esta fé na sociedade, e depreciação do homem individual, é típica do pensamento que tenho designado aqui por protestante, e, no caso de Hayek, tem a sua origem nos moralistas escoceses do século XVIII ( vg., Adam Ferguson, David Hume, Adam Smith) e também em Kant. Trata-se de uma reacção ao pensamento católico segundo o qual o homem pode individualmente chegar à verdade.
O argumento de Hayek, com o seu ênfase na ignorância, possui outros domínios de aplicação que não apenas a política económica e social. O cirurgião nunca está certo dos efeitos que a cirurgia pode produzir no paciente. Efeitos não pretendidos podem ocorrer e frequentemente ocorrem. E até efeitos opostos aos pretendidos - o paciente morre na operação. Da mesma forma, um homem que decide comprar um automóvel não está certo dos efeitos que essa decisão poderá ter na sua vida - ele pode vir a morrer em consequência dela num acidente de viação. A ignorância, a qual é frequentemente incerteza, é um atributo essencial da vida humana. Aquilo que é original em Hayek é que a ignorância deve paralisar a decisão. "Como não sabemos tudo, nem nunca saberemos, para tomar decisões perfeitamente informadas, o melhor é não tomarmos decisões nenhumas".
No caso da presente crise financeira, não é certo que o Plano Paulson melhore a situação, em vez de a piorar, e o João Miranda já levantou esta questão. Da mesma forma que o paciente que se coloca nas mãos do cirurgião não está certo que a sua qualidade de vida será melhor após a cirurgia. Trata-se, porém, de situações em que o presente estado de coisas se tornou de tal modo intolerável que uma alternativa tem de ser ponderada. A razão ajuda a descobrir a alternativa e até a avaliar a priori alguns dos seus benefícios e custos face à situação actual. Mas não todos, pelo que um domínio de incerteza prevalecerá.
Hayek recomendaria: "Como não sabem tudo, então não façam nada!". Uma pessoa racional apela à fé como último recurso ou complemento da razão: "Vamos tentar a alternativa, e seja o que Deus quiser!".
Existe um elemento no argumento de Hayek, e que é recorrente em toda a sua obra, que merece referência. O argumento anula o homem individual - em razão da sua ignorância - e enaltece a sociedade, a qual possui no seu seio informações, relações, planos, micro-processos aos quais qualquer homem individual ou grupo de homens, por mais inteligentes que sejam, nunca conseguirão aceder. Esta fé na sociedade, e depreciação do homem individual, é típica do pensamento que tenho designado aqui por protestante, e, no caso de Hayek, tem a sua origem nos moralistas escoceses do século XVIII ( vg., Adam Ferguson, David Hume, Adam Smith) e também em Kant. Trata-se de uma reacção ao pensamento católico segundo o qual o homem pode individualmente chegar à verdade.
O argumento de Hayek, com o seu ênfase na ignorância, possui outros domínios de aplicação que não apenas a política económica e social. O cirurgião nunca está certo dos efeitos que a cirurgia pode produzir no paciente. Efeitos não pretendidos podem ocorrer e frequentemente ocorrem. E até efeitos opostos aos pretendidos - o paciente morre na operação. Da mesma forma, um homem que decide comprar um automóvel não está certo dos efeitos que essa decisão poderá ter na sua vida - ele pode vir a morrer em consequência dela num acidente de viação. A ignorância, a qual é frequentemente incerteza, é um atributo essencial da vida humana. Aquilo que é original em Hayek é que a ignorância deve paralisar a decisão. "Como não sabemos tudo, nem nunca saberemos, para tomar decisões perfeitamente informadas, o melhor é não tomarmos decisões nenhumas".
No caso da presente crise financeira, não é certo que o Plano Paulson melhore a situação, em vez de a piorar, e o João Miranda já levantou esta questão. Da mesma forma que o paciente que se coloca nas mãos do cirurgião não está certo que a sua qualidade de vida será melhor após a cirurgia. Trata-se, porém, de situações em que o presente estado de coisas se tornou de tal modo intolerável que uma alternativa tem de ser ponderada. A razão ajuda a descobrir a alternativa e até a avaliar a priori alguns dos seus benefícios e custos face à situação actual. Mas não todos, pelo que um domínio de incerteza prevalecerá.
Hayek recomendaria: "Como não sabem tudo, então não façam nada!". Uma pessoa racional apela à fé como último recurso ou complemento da razão: "Vamos tentar a alternativa, e seja o que Deus quiser!".
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