13 agosto 2008

a lei de bronze


Ricardo,

O que se passa actualmente em Portugal com a classe política dirigente, não é mais do que a confirmação da velha «lei de bronze da oligarquia», com que Robert Michels interpretava a evolução de um sistema partidário estabilizado. Numa palavra, a classe política dirigente acaba por ser maioritariamente constituída, ao fim de algum tempo da duração de um regime, por gente que subtilmente vai tomando o controlo dos partidos, e que, uma vez no comando, se bloqueia e isola do resto do mundo, afastando os elementos de renovação. Tal afastamento repercute-se, também, em relação ao eleitorado que os elegeu, cuja necessidade só é sentida ciclicamente, em tempo de eleições. Para além de se tratar de uma manifestação óbvia do instinto de auto-preservação e de subsistência, esta oligarquização cumpre a finalidade de manter o poder e os benefícios pessoais que dele decorrem para aqueles que dominam as estruturas partidárias, por pequenas que elas sejam. O distanciamento em relação à realidade, mesmo até a insensibilização em relação aos problemas das pessoas ditas comuns, é um corolário lógico desse processo. É isso que se passa, neste momento, em Portugal, com os partidos políticos absolutamente divorciados da realidade da vida das pessoas, de tal modo que, quer estejam no poder quer estejam na oposição, dizem sempre o mesmo, fazem sempre o mesmo, prometem sempre o mesmo e, uma vez no governo, comportam-se sempre da mesma maneira, como se nada tivessem a dizer aos cidadãos.

Em condições normais da nossa História, a de um pequeno país sem peso específico no mundo e isolado da civilização, emparedado entre o Atlântico e Castela, não duvido que a pressão já seria muito maior e o caldo certamente já teria entornado. Se reparares, com excepção do período da autocracia salazarista, nunca houve um ciclo temporalmente tão extenso de um mesmo regime, nos quase duzentos anos que leva o nosso Estado Constitucional. O período de maior estabilidade que tivemos foi provavelmente o da Regeneração, que findou com a revolta popular da Janeirinha, quando levava apenas dezassete anos de existência, provavelmente a única revolta que tivemos provocada pelos abusos tributários do nosso Estado.

Eu não tenho quaisquer dúvidas que, repito, nas nossas condições históricas habituais, a “tropa” já teria vindo para a rua há muito tempo, com a populaça atrás dela. Essa era, de resto, a nossa maneira tradicional de «renovar» a classe política e de quebrar a dita «lei de bronze», de modo a permitir, de tempos a tempos, a substituição de quem governava.

Só que este esquema tradicional, em Portugal e na generalidade dos países europeus, viu-se interrompido por um factor inédito: a integração comunitária e a sua resultante que é a actual União Europeia. Enquanto ela durar, sairá sempre muito mais barato aos alemães e aos franceses irem-nos alimentando a um custo que, para eles, não é insuportável, do que nos terem para aqui aos pontapés uns aos outros. Já viste, Ricardo, o péssimo aspecto que daria à Europa que se pretende civilizada, ter na sua periferia um país insignificante, onde frequentemente saíssem à rua generais de pingalim gasto e de monócolo riscado e sargentos com fardas mal lavadas a chefiarem “revoluções” de opereta, com tanques sem gasolina e soldados sem munições, e a fazerem proclamações patrióticas aos indígenas numa linguagem rocambolesca? Não é cenário que se queira ou sequer se anteveja em Bruxelas, onde, aliás, tem assento um dos mais insignes portugueses de todos os tempos, o invejável Presidente da Comissão Europeia, em muito boa hora para lá levado pelos seus colegas das chancelarias europeias.

Não, Ricardo. Enquanto a União durar, não teremos nem revolução, nem renovação da classe política, nem coisa muito distinta da que tivemos nas últimas décadas. E como ainda há muito para “governar” neste país, as coisas só poderão piorar, com a indiferença crescente e acentuada dos governantes em relação aos governados, para quem verdadeiramente somos cada vez menos importantes.

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