10 março 2008

Capital de risco do Estado (*)


Nas últimas semanas, esta crónica tem incidido sobre as recentes intervenções do Estado na economia e no sistema financeiro. Depois de ter escrito sobre fundos soberanos, empresas bandeira e sobre o PPR Público lançado há dias, esta semana é a vez de versar acerca do fundo de capital de risco que o Estado se prepara para criar. O objectivo do fundo, anunciado pelo secretário de Estado da Indústria e Inovação, é apoiar projectos nascentes desenvolvidos por pequenas e médias empresas. São os projectos que se encontram nas fases iniciais que, em geral, se designam de “seed capital” ou “start-up”, e conduzidos por empresários que têm ideias mas a quem falta capital. A dotação do fundo será de 370 milhões de Euros. A iniciativa é louvável.

No mundo ocidental, o capital de risco é uma das principais alavancas do investimento e da inovação. Nos países desenvolvidos, as sociedades gestoras de fundos de capital de risco são uma alternativa aos bancos. Aquela ideia peregrina de que “para os bons projectos há sempre capital disponível” só é verdade devido às capitais de risco. São estas que, ao contrário dos bancos, financiam muitos projectos de garagem, numa perspectiva de sociedade, que com o tempo se tornam negócios multinacionais. Nos Estados Unidos ou no norte da Europa, muitas empresas não teriam ganho massa crítica se não tivessem tido o apoio destes agentes. Foram estes que acreditaram no potencial do projecto, que investiram e ajudaram no desenvolvimento do plano de negócios. E que depois, mais tarde, após terem cumprido o seu papel, contribuíram para o lançamento e dispersão da empresa em bolsa.

A ideia associada ao capital de risco pressupõe que o investimento se realize na fase nascente do projecto. É assim que sucede nos países onde o conceito tem maior adesão. O objectivo do gestor do fundo de capital de risco é investir em vários pequenos projectos, sabendo de antemão que, o mais provável, é que a maioria falhe. Contudo, o gestor também sabe, assumindo que fez o trabalho de casa, que cada projecto de sucesso tem o potencial de multiplicar por dez o investimento realizado inicialmente. Este gestor conhece as regras do jogo: vai falhar muitas vezes, mas em compensação, por cada uma em que acertar ganhará muito mais do que aquilo que perderá quando falhar. Portanto, o valor esperado é positivo.

Em Portugal, o capital de risco tem estado, até aqui, focalizado quase que exclusivamente no chamado capital de desenvolvimento, o que em linguagem corrente também se designa por “aumento de capital”. Nos últimos anos, têm também surgido, aqui e acolá, alguns fundos sagazes, como o Explorer ou o Magnum, capazes de identificar empresas mal geridas e conseguir dar-lhes a volta – em geral, despedindo os antigos gestores e contratando gente da sua confiança. Mas a regra não tem sido essa. Na generalidade, os agentes de capital de risco em Portugal têm estado associados aos aumentos de capital de empresas que, repetidamente, têm demonstrado que o melhor que lhes podia acontecer era fechar as portas de uma vez por todas. Ora, o capital de risco, na sua concepção original, não é isto. O objectivo não é levantar cadáveres. É, sim, transformar crianças em adultos saudáveis.

Este fundo de capital de risco é um passo na boa direcção. Só é pena ser do Estado. Os contornos práticos do fundo não estão ainda definidos, mas a principal dúvida diz respeito à legitimidade de aplicar dinheiro público – os investidores são os contribuintes – em empresas privadas que, à partida, poderão não produzir bens públicos e cuja taxa de mortalidade é elevada. Ou seja, as regras e os critérios de elegibilidade dos projectos financiados têm de ser muito claros de modo a não criar situações incompatíveis. Por outro lado, o Estado, ao ter a iniciativa, está a dar o exemplo do que se deve fazer e, oxalá, este veículo possa ter continuidade noutros geridos pelo sector privado. Por fim, o benefício maior: a prazo, a existência de muitos fundos de capital de risco, os puros, conduzirá à colocação em bolsa de dezenas de novas empresas. E à propagação da modernidade, tão apregoada em Portugal e de que tanto precisamos.

(*) publicado no jornal Vida Económica a 7 de Março 2008

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