29 janeiro 2008

Jerome e o seu gato


No dia 21 de Janeiro, as bolsas europeias fecharam fortemente em baixa. Um Mini Crash. Mais tarde soube-se que, nesse mesmo dia, o banco francês Societé Generale tinha iniciado a venda de uma posição maciça em contratos de futuros sobre o índice Eurostoxx, que acabou a perder mais de 7%. Rezam as crónicas que um dos seus funcionários, Jerome Kerviel, terá excedido o seu mandato e os limites de risco impostos internamente e construiu, a partir da carteira do próprio banco, uma posição especulativa de grande escala no mercado accionista europeu. Devido às quedas das bolsas em Janeiro, a posição deu à costa, as luzes do painel de controlo do banco começaram a piscar e, então, decidiu-se acabar com tudo. Segundo as minhas estimativas, o Societé Generale terá vendido cerca de 1,3 milhões de contratos de futuros sobre o Eurostoxx.

O futuro, ao contrário das acções individuais, é um activo que funciona associado a uma conta margem. O investidor que transacciona futuros apenas tem de depositar no corretor uma margem do valor total sobre o qual vai investir. Pelo contrário, nas acções individuais, se as estas valem no conjunto 100 Euros, o investidor tem que depositar esse mesmo montante junto do corretor. No futuro sobre o Eurostoxx exige-se uma margem de apenas 3.300 Euros. Com esse montante, o investidor pode comprar 1 contrato do futuro Eurostoxx, que neste momento representa um investimento global próximo dos 38.000 Euros. Ou seja, no limite, o investidor poderá investir até 10 vezes do seu capital.

O caso Societé Generale é sintomático dos riscos envolvidos na transacção dos contratos de futuros ou outros instrumentos com características semelhantes. Este funcionário do Societé Generale pertencia à divisão Delta do banco francês – um dos seus departamentos de “proprietary trading”, a elite interna responsável pela gestão da carteira do próprio banco. A informação publicada nos jornais refere que a perda final foi de 5 mil milhões de Euros, embora o valor global dos investimentos realizados por Kerviel tenha atingido os 50 mil milhões. Às cotações actuais, esse montante global corresponde a mais de 1,3 milhões de contratos de futuros sobre o Eurostoxx.

A posição de Kerviel era grande de mais para não ser detectada pelos sistemas de gestão de risco do Societé Generale. A Eurex, a bolsa onde o Eurostoxx é cotado, aparentemente, detectou-a em Novembro. É que, num dia normal, o volume de transacções no Eurostoxx é qualquer coisa à volta de 1,2 milhões de contratos. Ao mesmo tempo, o “Open Interest” nos futuros do Eurostoxx – a diferença entre contratos que, através de operações de compra e venda, são abertos mas não são fechados – é de 2 milhões de contratos. Kerviel teria em carteira qualquer coisa como 1,3 milhões de contratos. Portanto, a pergunta que se coloca é simples: e se o mercado europeu, em vez de se despedaçar, tivesse feito um “rally”?

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