O João Miranda escreveu um interessante artigo no DN sobre o liberalismo, no qual defende uma perspectiva não contratualista da sociedade política e do Estado. O ponto principal do artigo encontra-se na seguinte afirmação: «A transferência de soberania dos indivíduos para o Estado requer o consentimento de todos os indivíduos e não apenas da maioria». O que implicaria, naturalmente, que o contrato social fosse subscrito por todos os cidadãos da organização política a instituir e permanentemente actualizado. Teria, também como consequência que cada acto político fosse ratificado por todos e cada um dos seus possíveis destinatários para ser considerado válido. Em contrapartida, qualquer cidadão poderia, a todo o instante, recusar aplicar uma decisão das autoridades políticas, no caso de discordar dela.
Estas teorias da soberania e do contrato social são inspiradas, no liberalismo, no pensamento de Lysander Spooner (1808-1887) e na sua teoria da Constituição e dos direitos individuais, assim como, em minha opinião, no próprio Proudhon.
Sumariamente, Spooner defende que o Estado, o governo e o contrato social que é estabelecido nas Constituições políticas modernas, são verdadeiras burlas organizadas por gangsters, com a finalidade exclusiva de dominarem e explorarem os seus concidadãos. Em momento algum, defende, se opera uma verdadeira transferência da soberania dos indivíduos para os seus ditos representantes que permita que eles possam estabelecer uma organização política que vincule a todos por igual e por tempo indeterminado. Para que isso se operasse – já que falamos de um contrato -, seria necessário que cada destinatário do novo poder suberano assinasse pessoalmente o compromisso de se lhe submeter. E, ainda assim, como em qualquer contrato, estaria sempre em posição de o rescindir, o mesmo é dizer, de repudiar o seu governo. Por conseguinte, o sufrágio universal não poderá legitimar o poder político e as suas decisões para além dos cidadãos eleitores no momento exacto do voto.
Por outras palavras, Spooner afirma a inexistência do poder constituinte (seja qual for a sua forma de expressão), a ilegitimidade da representatividade política e das instituições de governo, e a ilegalidade da Constituição face ao direito natural dos indivíduos. Poderá este conjunto de pressupostos ser a base do liberalismo?
Creio que não. Apesar de considerar, como óbvia referência fundamental ao liberalismo, a defesa da soberania individual como limite à ingerência da soberania política, é inútil negar a existência intemporal e universal desta última e da sua forma mais comum de organização – o Estado, e pretender substituí-los por uma outra coisa qualquer que nem a História nem a teoria política nos sabem explicar o que poderia ser.
Assim, do ponto de vista do liberalismo evolucionista, não há como não aceitar que as instituições políticas representativas não representem o resultado de uma selecção histórica e social dos melhores procedimentos para resolver determinadas necessidades individuais e comunitárias. E que a maneira mais conveniente delas terem vida, isto é, de poderem desempenhar os fins para que foram feitas, será eleger os seus titulares por períodos limitados de tempo, podendo proceder à sua substituição imediata quando os eleitos desrespeitem o seu mandato.
Nessa medida, o que importará para o liberalismo, não será tanto negar a existência do governo e pretender substituí-lo pelo «governo» individual de cada um de per si, mas partindo da soberania individual, aceitar que os cidadãos possam transferir para instituições que os representem a execução de alguns serviços que tenham dificuldade, ou inconveniência, em assegurarem sózinhos. O que, de resto, o João acaba por aceitar.
Só que isso implica retomar, em vez de abandonar, a ideia de contrato social, visto como contrato efectivo entre cidadãos que instituem ou reconhecem a existência de órgãos de soberania, cujo objecto de actuação não possa ultrapassar os limites do mandato. É para esse fim – a limitação da soberania -, que servem as Constituições e que seria catastrófico para a defesa da liberdade diminuir a sua importância. Mas implica, também, uma perspectiva dinâmica – e não estática e intemporal – do pacto constitucional, não o transformando numa versão laica dos Dez Mandamentos, que é o estado em que se encontra o nosso bezerro de ouro de 1976.
Estas teorias da soberania e do contrato social são inspiradas, no liberalismo, no pensamento de Lysander Spooner (1808-1887) e na sua teoria da Constituição e dos direitos individuais, assim como, em minha opinião, no próprio Proudhon.
Sumariamente, Spooner defende que o Estado, o governo e o contrato social que é estabelecido nas Constituições políticas modernas, são verdadeiras burlas organizadas por gangsters, com a finalidade exclusiva de dominarem e explorarem os seus concidadãos. Em momento algum, defende, se opera uma verdadeira transferência da soberania dos indivíduos para os seus ditos representantes que permita que eles possam estabelecer uma organização política que vincule a todos por igual e por tempo indeterminado. Para que isso se operasse – já que falamos de um contrato -, seria necessário que cada destinatário do novo poder suberano assinasse pessoalmente o compromisso de se lhe submeter. E, ainda assim, como em qualquer contrato, estaria sempre em posição de o rescindir, o mesmo é dizer, de repudiar o seu governo. Por conseguinte, o sufrágio universal não poderá legitimar o poder político e as suas decisões para além dos cidadãos eleitores no momento exacto do voto.
Por outras palavras, Spooner afirma a inexistência do poder constituinte (seja qual for a sua forma de expressão), a ilegitimidade da representatividade política e das instituições de governo, e a ilegalidade da Constituição face ao direito natural dos indivíduos. Poderá este conjunto de pressupostos ser a base do liberalismo?
Creio que não. Apesar de considerar, como óbvia referência fundamental ao liberalismo, a defesa da soberania individual como limite à ingerência da soberania política, é inútil negar a existência intemporal e universal desta última e da sua forma mais comum de organização – o Estado, e pretender substituí-los por uma outra coisa qualquer que nem a História nem a teoria política nos sabem explicar o que poderia ser.
Assim, do ponto de vista do liberalismo evolucionista, não há como não aceitar que as instituições políticas representativas não representem o resultado de uma selecção histórica e social dos melhores procedimentos para resolver determinadas necessidades individuais e comunitárias. E que a maneira mais conveniente delas terem vida, isto é, de poderem desempenhar os fins para que foram feitas, será eleger os seus titulares por períodos limitados de tempo, podendo proceder à sua substituição imediata quando os eleitos desrespeitem o seu mandato.
Nessa medida, o que importará para o liberalismo, não será tanto negar a existência do governo e pretender substituí-lo pelo «governo» individual de cada um de per si, mas partindo da soberania individual, aceitar que os cidadãos possam transferir para instituições que os representem a execução de alguns serviços que tenham dificuldade, ou inconveniência, em assegurarem sózinhos. O que, de resto, o João acaba por aceitar.
Só que isso implica retomar, em vez de abandonar, a ideia de contrato social, visto como contrato efectivo entre cidadãos que instituem ou reconhecem a existência de órgãos de soberania, cujo objecto de actuação não possa ultrapassar os limites do mandato. É para esse fim – a limitação da soberania -, que servem as Constituições e que seria catastrófico para a defesa da liberdade diminuir a sua importância. Mas implica, também, uma perspectiva dinâmica – e não estática e intemporal – do pacto constitucional, não o transformando numa versão laica dos Dez Mandamentos, que é o estado em que se encontra o nosso bezerro de ouro de 1976.
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