09 dezembro 2007

pimenta na língua

Nem todos os preconceitos sociais são bons. Alguns são até muito danosos e, quando prevalecem na sociedade por muito tempo, acabam por a enfraquecer. Em Portugal, um dos preconceitos mais danosos é a propensão dos portugueses para dizerem mal uns dos outros, da sua história e do seu país - e este preconceito parece igualmente existir na generalidade dos outros países de cultura predominantemente católica.

Eu não estou certo de conhecer a origem deste preconceito e o momento em que ele ganhou foros de verdade na consciência colectiva dos portugueses. É improvável que ele existisse no espírito dos portugueses de quinhentos. O mais provável é que a sua primeira ofensiva em Portugal tenha coincidido com os movimentos protestantes do final do séc. XVI. Mas terá sido a partir da Revolução Francesa - a qual foi, acima de tudo, um ataque violento à Igreja Católica e à cultura católica - que o preconceito se instalou definitivamente na cultura do país. Não passaram muitos anos até que Portugal entrasse em guerra civil.

A difusão do preconceito em Portugal foi feita pelos seus intelectuais e a partir da única instituição no país que produzia intelectuais - a Universidade de Coimbra e, em especial, a sua Faculdade de Direito. E este preconceito, juntamente com outros difundidos a partir da mesma origem, terá contribuído tanto para enfraquecer as bases em que assentava a sociedade que, enquanto, para a generalidade dos países da Europa, o século XIX foi um período de grande progresso, para Portugal ele foi um século de conturbação social e política e estagnação económica.

Os intelectuais do século XIX, incluindo a geração de 70, e provavelmente com Eça de Queiroz à frente de todos, ganharam generosamente a vida vendendo uma só mercadoria - dizer mal dos portugueses, troçar deles, das suas instituições e das suas tradições seculares - ao mesmo tempo que, do alto da sua superioridade de julgamento, viviam duplamente à custa desses portugueses analfabetos, tacanhos, irremediavelmente atrasados, desprezivelmente miseráveis. Primeiro, vendendo-lhes os livros que produziam; segundo, e mais importante, vivendo das sinecuras e empregos públicos na universidade de Coimbra, nas embaixadas e consulados, até na Presidência da República.

É preciso salientar que este preconceito representa, em primeiro lugar, uma fraqueza dos intelectuais portugueses e, mais geralmente, dos intelectuais de tradição católica. Perante a ofensiva das ideias protestantes, primeiro, e da Revolução Francesa, depois, eles não conseguiram, ou nem sequer se aperceberam da necessidade de defender a sua própria cultura - e perderam a batalha das ideias. A partir daí, para eles, todas as ideias e instituições que vinham de fora eram boas; todas as de dentro, eram más. Eles passaram a constituir o elemento corruptor mais importante da sociedade portuguesa.

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