Todas as sociedades assentam em preconceitos, ideias herdadas do passado e que provaram eficácia para a sua sobrevivência e prosperidade. É irrelevante saber se, por detrás destas ideias, existem realidades materiais e objectivas que todos podem confirmar. Por outras palavras, é irrelevante saber se os preconceitos correspondem a categorias científicas ou não.
O valor que um preconceito possui para a sociedade - no sentido de um ideia herdada do passado e utilizada generalizadamente de forma automática e acrítica - não depende de a ideia possuir uma base científica. Pode tratar-se de uma mera questão de fé. Nestes caos, a função da razão consiste em reconhecer que não é possível a vida em sociedade sem a fé e que a fé é, por isso, um acto eminentemente racional. É neste sentido que, por vezes, se afirma que a fé é o limite da razão.
Gostaria de ilustrar esta tese com um exemplo - o preconceito que praticamente todas as pessoas possuem de que o dinheiro que depositaram nos seus bancos está lá à sua disposição para quando o quiserem levantar. Como argumentei numa série de posts anteriores, o dinheiro não está lá - na realidade, só lá está uma pequena fracção dele - e o resto foi emprestado pelos bancos a terceiros.
Este preconceito permite a existência do crédito bancário, uma instituição social sem a qual seríamos consideravelmente mais pobres. Não obstante, este é um preconceito inteiramente baseado na fé - a fé que cada um de nós possui que, se fôr ao banco, e ainda que os outros façam o mesmo ao mesmo tempo, o banco lhe vai restituir o seu dinheiro. Alternativamente, este preconceito assenta na fé de que as pessoas não vão todas - ou sequer em proporção significativa - ao banco reclamar os seus depósitos ao mesmo tempo.
A atitude racional consiste em reconhecer que esta fé é eminentemente racional pois, sem ela, não existiriam bancos, não existiria crédito bancário, e nós seríamos todos imensamente mais pobres. Procurar combater esta fé, em nome de uma razão abstracta, é um acto puramente irracional pois conduziria a sociedade de volta aos tempos de miséria.
O preconceito que acabo de utilizar como exemplo não é essencial à sobrevivência da sociedade - como, por exemplo, o de Deus -, mas é essencial à sua prosperidade. Porém, ele serve também para ilustrar que aqueles que, em nome de um racionalismo que, na realidade, é puramente irracional, pretendem banir a fé do domínio social e substituí-la pela omnipresença da razão, estão, na verdade, a contribuir para a empobrecer a sociedade e, no limite, para a tornar impossível.
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