22 dezembro 2007

no rabo


Para ser realista, uma sociedade constituída exclusivamente por meninos-mimados seria uma sociedade impossível porque seria uma sociedade incapaz de se reproduzir. Os meninos-mimados não resistiriam um mês de vida sem o altruísmo dos pais.

É o altruísmo - não o egoísmo - que torna, em primeiro lugar, a humanidade possível, e a primeira grande experiência da vida em altruísmo, para qualquer homem (ou mulher) é a paternidade (ou a maternidade). A partir daí, um homem (ou mulher) fica a saber que está na vida, não apenas para cuidar exclusivamente de si próprio, mas também para cuidar dos outros e pôr-lhes a mão por baixo.

É o altruísmo, praticado em primeiro lugar e com a maior intensidade na família, mas também, por extensão, embora de uma forma mais difusa, a toda a sociedade, que mantém a sociedade de pé. A experiência do pai ou da mãe, que olha para o seu filho como uma pessoa totalmente dependente de si, vai despertar nele ou nela, com o decorrer do tempo, a descoberta de que existem pessoas na sociedade que, mesmo depois de adultas, são radicalmente dependentes e incapazes de se governarem a si próprias, e que a alternativa é, ou deitar-lhes a mão, ou deixá-las morrer de fome.

O sentimento de altruísmo, cuja primeira e mais radical manifestação tem lugar no seio da família, está relacionado directamente com o sentimento de autoridade. A primeira experiência marcante de autoridade natural que um homem ou uma mulher conhece na vida é a sua autoridade como pai ou como mãe. E a autoridade acaba por ser uma consequência directa do altruísmo. Não existe autoridade sem altruísmo. Em última instância, o filho só obedece à mãe, e frequentemente a venera, porque sabe que ela lhe quer bem, e sob quaisquer circunstâncias. Numa sociedade de meninos-mimados, de onde o altruísmo está ausente, a autoridade é impossível, ninguém respeita ninguém, todos se detestam mutuamente.

A prevalência do sentimento de altruísmo numa sociedade, bem como do sentimento de autoridade, depende assim, criticamente, da força, da coesão e da vitalidade da instituição familiar. Uma sociedade onde as pessoas se casam cada vez menos e mais tarde, onde o casamento é substituído por relações mais ténues como a união de facto, onde o divórcio se torna mais frequente, onde as pessoas têm cada vez menos filhos, e onde a homossexualidade tende a ganhar estatuto relativo face à heterossexualidade, é uma sociedade de onde tendem a desaparecer os sentimentos de altruísmo e autoridade.

Em lugar deles, tendem a ganhar importância relativa na sociedade os sentimentos de egoísmo e liberdade, em que esta última é entendida como uma subtracção às peias da autoridade. Esta é a forma de liberdade apreciada pelo menino-mimado, uma liberdade que é exercida como egoísmo. O menino-mimado sente-se livre para fazer tudo aquilo que quer, para dizer tudo aquilo que quer, para maltratar todos aqueles que quer, sabendo de antemão que não existe ninguém na sociedade com a autoridade suficiente para lhe pregar dois açoites no rabo.

Esta forma de liberdade irresponsável não tem nada que ver com a liberdade que é exercida por uma autoridade. Uma autoridade livre - de que um pai ou uma mãe são exemplos acabados - exerce a sua liberdade como altruísmo - e é daí que deriva a sua autoridade.
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Uma sociedade só se aguenta enquanto nela prevalecerem uma réstea de altruísmo, autoridade e liberdade, entendida neste último sentido. Ela tende a enfraquecer e, no limite a desaparecer, quando o menino-mimado triunfar, substituindo o altruísmo pelo egoísmo radical, matando o sentimento de autoridade, e praticando a liberdade como irresponsabilidade irrestrita.

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