Na tradição católica, a verdade das Escrituras é interpretada pelo Papa e pelos bispos - uma elite - e depois transmitida aos leigos, de uma forma simplificada, sob a forma do catecismo. Na tradição protestante, não existe ninguém a quem seja reconhecida a capacidade para interpretar a verdade. Cada um tem de ler o original - as Escrituras - e comparar a sua interpretação com outras interpretações.
Na tradição católica, o catecismo tem o seu equivalente universitário na instituição da sebenta. Um professor a quem é reconhecida autoridade escreve aquilo que, no seu domínio do saber, é considerada a interpretação da verdade, e os estudantes são supostos absorver tudo aquilo para passar no exame, e com o mais completo desprezo - como se fosse uma heresia - por qualquer outra interpretação da verdade.
Pelo contrário, nos países de tradição protestante não existe a instituição da sebenta. O professor apresenta aos alunos uma bibliografia, frequentemente constituída por interpretações diferentes e até contraditórias sobre a verdade num certo domínio do saber. Ao contrário da tradição católica em que o estudante mais valorizado é aquele que melhor consegue reproduzir a sebenta - tomada como padrão único da verdade - , na tradição protestante o estudante mais apreciado é aquele que consegue fazer a melhor síntese das diferentes interpretações da verdade.
Nos países protestantes, perante uma opinião diferente, as pessoas reagem com abertura de espírito, submetendo-a a escrutínio e discussão racional. Nos países católicos, pelo contrário, reagem com o desdém, a ridicularização, senão mesmo com o insulto, que são as reacções próprias da inexistência de alternativas de estudo e reflexão, do preconceito sobre a posse da verdade e da estreiteza de espírito.
Dir-se-ia que os países protestantes possuem uma vantagem nesta matéria. Não necessariamente. Se a sebenta dos países católicos, como o catecismo, fôr escrita por uma pessoa, ou conjunto de pessoas, com genuína sabedoria e autoridade, ela é muito mais eficaz do que a multiplicidade de livros e artigos que são colocados em frente do estudante num país protestante para ele formar a sua opinião - algo que requer capacidade de julgamento, consome tempo, às vezes anos, e que, por isso, ele frequentemente não faz, e em que a multiplicidade de interpretações da verdade só servem para o confundir.
Um dos problemas actuais em Portugal é o de que as sebentas deixaram de ser escritas por pessoas com genuína sabedoria e autoridade - e não apenas nas universidades. O resultado é o de que as pessoas em Portugal são ainda formadas, nas diferentes esferas da vida, na tradição do catecismo e da sebenta, só que os seus autores passaram a ser os primeiros leigos que conseguiram fazer-se eleger democraticamente para as escrever. O resultado é ainda o preconceito, mas agora a pior forma de preconceito que é aquele que não tem relação alguma com a verdade.
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