22 novembro 2007

monarquia ou república: uma posição liberal

Não deixa de ser curioso e mesmo até um pouco exótico, que pessoas simpáticas, educadas e corteses se consigam ainda hoje exaltar com a questão da natureza republicana ou monárquica das chefias dos estados democráticos em que vivem.

Do ponto de vista histórico, debater as virtudes da república e da monarquia afigura-se ainda mais obtuso. Como é sabido, a História é devassa e dá para tudo e para todos. Assim como podemos encontrar uma mão cheia de exemplos de monarquias que resistiram à democracia, podemos também enumerar uma lista imensa de repúblicas que impuseram a ditadura. Ainda assim, há que reconhecer um facto historicamente inquestionável: as monarquias chegaram primeiro ao constitucionalismo, o que não é de espantar porque eram o modelo de estado dominante no século XIX, mas muitas repúblicas que lhe foram posteriores fizeram da Constituição letra morta.

Na verdade, discutir, hoje, o problema faz muito pouco ou nehum sentido. Porque, nas democracias. a chefia de estado de duas uma: ou não dispõe de qualquer poder soberano e, nesse caso, não necessita de legitimidade eleitoral, ou é um órgão de soberania e é forçosamente eleito em sufrágio universal. Estão no primeiro caso as monarquias (Espanha, Bélgica, Holanda, Suécia, etc.) e as repúblicas aristocráticas (Itália e Alemanha), onde o chefe de estado é designado por sufrágio restrito, isto é, por um colégio aristocrático de representantes das instituições de governo. No segundo grupo encontram-se os chefes de estado de modelos de governo presidencialistas (EUA, Brasil) ou semipresidencialistas (França, Portugal), todos eleitos pela totalidade do colégio eleitoral.

Do ponto de vista liberal, na minha opinião, a monarquia pode hoje revelar facetas de maior interesse do que no passado e do que o republicanismo actual. Na verdade, numa época em que as democracias se desvirtuam e tornam totalitarizantes, quando os actos de soberania obedecem cada vez mais a interesses de grupo, de todo em todo distintos dos verdadeiros interesses dos cidadãos, e quando os checks and balances dos sistemas políticos se tornam cada vez mais frágeis, a existência de um poder verdadeiramente moderador que refreie a soberania torna-se absolutamente necessário para a defesa da liberdade e dos direitos dos cidadãos. Essa é, ou pelo menos deverá ser, a principal preocupação do liberalismo: refrear a soberania.

Ora, só uma instituição que não dependa da política poderá, com imparcialidade e isenção, desempenhar esse papel. Não será, certamente, um presidente eleito, ou que aguarda uma reeleição, que o fará. É disso bom exemplo a história recente do nosso sistema político, com os tradicionais primeiros mandatos presidenciais muito mais pacíficos do que os segundos. Essa instituição só resistirá ao fascínio e ao jogo do poder se o seu titular não puder, em circunstância alguma, desempenhar cargos políticos. Essa instituição é o rei constitucional.

De resto, esta ideia de superar as deficiências naturais das democracias através de instituições estáveis, ocupadas por titulares que as exerçam por tempo longo, com garantias de permanência no lugar, que não dependam da volutalidade do sufrágio universal, e que estejam legalmente impedidos de exercer posteriormente novas funções de governo, foi a proposta de Hayek para um modelo utópico de constitucionalismo liberal, que ele concebeu no Law, Legislation and Liberty. À margem da utopia, a monarquia constitucional poderá cumprir alguns desses objectivos que o liberalismo tanto estima.

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