17 novembro 2007

infectar


Parte dos dólares emitidos em excesso pela Reserva Federal (Fed) - que estão na origem da crise dos empréstimos de baixa qualidade (subprime lending) - não ficam nos EUA, mas saem para outras partes do mundo, especialmente a Europa e a Ásia, e é assim que a crise americana acaba por infectar os outros continentes.

Os dólares que os prestadores de serviços à Administração americana possuem nas suas contas de depósitos (cf. post anterior) são para ser gastos na aquisição de bens e serviços, uns nos EUA, outros a países estrangeiros. Sendo o dólar uma moeda aceite em todo o mundo, é fácil aos americanos comprarem bens e serviços ao estrangeiro, pagando com os dólares que, no início do meu relato (cf. post anterior), tinham saído frescos da máquina impressora.

E é isso que eles fazem. Os americanos são os maiores importadores de bens e serviços do mundo - vinhos franceses, automóveis japoneses, texteis chineses, etc. As suas importações vêm sobretudo da EU-25 (19% do total) do Canadá (17%), da China (15%), do México (10%) e do Japão (8%). Pagando em dólares, todos os outros continentes vão agora sofrer as consequências do excesso de emissão de dólares por parte da Reserva Federal.

O efeito principal é o de que o excesso de dólares tende a produzir o resultado que todos os excessos produzem - a sua depreciação face às outras moedas, como o euro e o yen. A curto prazo, porém, ninguém está muito interessado em deixar cair o dólar indefinidamente. Os americanos não estão, entre outras coisas, porque isso representaria um aumento do preço dos bens importados - vinhos franceses, automóveis japoneses, texteis chineses, etc. - de que se faz, em parte, o seu alto nível de vida. Os europeus e os asiáticos também não estão porque a depreciação do dólar (e a apreciação do euro, do yen ou do yuan), levando a que os americanos lhes comprem menos bens e serviços, gera desemprego e recessão económica.

Por esta razão, os bancos centrais - os principais são o próprio Fed, o Banco Central Europeu (BCE), o Banco do Japão e o Banco de Inglaterra - geralmente entendem-se para suportarem o dólar nos mercados cambiais. Para o BCE tal significa comprar dólares com euros - euros que ele obtém pondo a sua própria máquina impressora a funcionar. O Banco do Japão faz o mesmo, imprimindo yens para comprar dólares.

Neste momento, o excesso de emissão de dólares que tinha tido origem nos EUA está a provocar a mesma situação na Europa e na Ásia - o BCE e o Banco do Japão acabam também de pôr as suas máquinas impressoras a funcionar, gerando um excesso de euros e de yens. Estes euros e yens vão acabar sob a forma de depósitos nos bancos comerciais da UE e do Japão, respectivamente, e os bancos comerciais vão ter de os rentabilizar rapidamente sob a forma de empréstimos. Quando estiverem esgotados os clientes de primeira qualidade (prime borrowers), os bancos emprestam o dinheiro a clientes de segunda qualidade (subprime borrowers). E é assim que a crise dos empréstimos de baixa qualidade (subprime lending), originalmente uma crise americana, passa a estar instalada também na Europa e na Ásia, na realidade, nos quatro cantos do mundo.

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