Num post anterior citei a pessoalização como um dos elementos principais de uma cultura ancestralmente católica, como é a portuguesa. Este traço cultural, como tudo na vida, possui os seus benefícios e também os seus inconvenientes, mas ele sugere, em primeiro lugar, que Portugal é um país que funciona melhor quando possui uma liderança pessoalizada e forte (cf. post anterior).
A cultura pessoalizada gera o espírito corporativo que é típico dos portugueses. Ponham-se mil portugueses em qualquer actividade e, mais cedo ou mais tarde, eles conhecem-se todos, almoçam frequentemente uns com outros, alguns tornam-se amigos íntimos, praticam uma certa má-língua nas costas uns dos outros - mas, no fim, em lugar de concorrerem entre si, organizam-se em corporação para irem reclamar do Estado medidas que os protejam da concorrência.
Provavelmente, um dos inconvenientes mais referidos desta cultura pessoalizada é aquele sentimento a que Camões se refere quando remata Os Lusíadas - a enveja. Claro que o português típico é invejoso - uma consequência necessária da sua cultura muito pessoalizada. Se ele se sente igual ao outro, e é até capaz de lhe dar a mão em caso de necessidade, é apenas natural que ele ressinta o sucesso do outro quando este ascende a posições a que ele não pode ascender. A má-língua, o boato, a desconfiança pela lisura de processos passam a ser os instrumentos privilegiados para dar expressão à inveja.
A inveja é um sentimento que, do ponto de vista económico e social, se pode tornar imensamente destrutivo. Conjugada com o sentimento corporativo dos portugueses, passa a ser uma combinação explosiva, se não existirem instituições que possam filtrar todos os interesses corporativos e o possam fazer à vista de todos os outros - que são, normalmente outras corporações.
A Câmara Corporativa, inventada por Salazar, foi, a este respeito, uma invenção genial. Deveríamos recuperá-la, em nome da transparência, da paz social e do progresso económico.
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