"There is no happier fate for any man than to live his life in a culture never challenged, a culture he is never called upon to justify; to eat and speak and dress and pray without ever realizing that there are other ways of doing these simple things", escreveu Jessie Bernard em 1942, num livro dedicado às relações entre judeus e gentios (*).
Na sua maior parte, as pessoas não se apercebem dos valores da sua própria cultura - nem seria bom que o fizessem. A sociedade deixaria de funcionar, ou resultaria seriamente enfraquecida, quando os comportamentos automáticos, os julgamentos automáticos, os modos automáticos de fazer as coisas, as expressões automáticas da espiritualidade - que são aquilo em que a cultura consiste - fossem generalizadamente reconhecidos e submetidos a escrutínio racional. As pessoas iriam, então, questioná-los, ponderar alternativas, dividir-se quanto à melhor solução a adoptar, destruindo os automatismos que são a alavanca que mantém uma cultura em movimento.
Assim, quando aqui tenho tratado a cultura católica, salientando alguns dos seus aspectos positivos e outros negativos, eu não espero que existam 5 portugueses em cem que entendam, ou queiram entender, aquilo que eu quero dizer. E, quando procedo de igual modo em relação à cultura judaica, aí eu não espero encontrar mais do que um em mil - e esse não vai querer, sequer, discutir o assunto. Na realidade, uma das grandes forças da cultura judaica - e a razão essencial da sua sobrevivência - é a de nunca se pôr em causa, nunca permitir críticas, e muito menos autocríticas - e a melhor forma de o fazer é não permitir sequer a discussão acerca de si própria. Daí a barragem de impropérios - dos quais, o de antisemita é, obviamente, o mais conhecido - que invariavelmente encontra qualquer pessoa que se proponha discutir alguma faceta desta cultura.
Neste aspecto, a cultura cristã tem sido imensamente mais vulnerável. A cultura judaica - para bem dela - nunca produziu, nem poderia tolerar produzir, um Nietzsche, um Rousseau, nem sequer um Antero de Quental ou um Eça de Queirós, já para não falar num Afonso Costa. Arruinar-se-ia em pouco tempo, dada a pequenez dos seus números. E, se porventura, produzisse, ele seria adequadamente estigmatizado e perseguido para que os seus efeitos sobre o cultura judaica fossem insignificantes ou mesmo nulos.
Todas as culturas toleram um certo montante de racionalismo. Mas uma cultura exclusivamente racionalista, que questiona todos os seus valores, não se sustenta a si própria, acaba no caos onde ninguém se entende, e na desordem generalizada. A cultura judaica sobrevive há milénios porque não aceita a crítica racional, menos ainda a autocrítica. A cultura judaica sobrevive há milénios porque assenta na fé acerca dos seus próprios valores.
(*) In Isacque Graeber e Steuart H. Brit (eds.), Jews in a Gentile World - The Problem of Antisemitism, New York: MacMillan, 1942, p. 264.
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