20 outubro 2007

um bispo vermelho

A Igreja Católica é uma instituição que conviveu com todos os regimes políticos ao longo da sua história, muitos que lhe eram adversos, e ainda assim sobreviveu a todos. A Igreja passou por muitas revoluções, que teriam posto em causa a sua existência se ela estivesse enfeudada ao poder e não posssuísse apoios na oposição, agora tornada o novo poder - e sobreviveu a todas.

Qual é o segredo da Igreja Católica e, mais geralmente, da cultura católica, que lhe dá esta versatilidade para conviver com qualquer regime político, e para se adaptar rapidamente a qualquer alteração, ainda que drástica, de regime político?

A resposta é: a liberdade de expressão católica. Esta liberdade só tem uma limitação, como argumentei no post anterior. Não são permitidos ataques a Deus e à sua Palavra. À parte esta restricção, toda a gente pode dizer o que quiser, incluindo dizer mal dos outros. (Como argumentei no post anterior, na cultura católica, ofensas aos homens são toleradas, ofensas a Deus é que não)

A Igreja possui uma doutrina oficial praticamente sobre todos os assuntos importantes da vida, que é definida pelas suas autoridades, em última instância, pelo Papa. Mas apesar de possuir uma doutrina, ela não obriga ninguém mesmo dentro da sua hierarquia - padres e bispos - a aderir a ela, menos ainda entre os seus crentes (salvo em períodos de excepção, quando a sua própria existência está ameaçada). Pelo contrário, confere-lhes plena liberdade. É claro que, ao conferir liberdade, as pessoas se vão dividir sobre qualquer assunto, umas pensando de uma maneira e outras de maneira exactamente contrária. Esta é uma característica da opinião pública católica - nunca gera consensos. E é aqui que está o segredo.

Em determinado país e em determinado momento existe um regime autoritário e a Igreja convive com as autoridades desse regime. Porém, em virtude da liberdade católica, é inevitável que vão aparecer padres e bispos oposicionistas, para não mencionar crentes, que a Igreja tolera muito bem, mesmo dentro das suas portas. Se amanhã ocorrer uma revolução nesse país, e o regime passar, por exemplo, a democrático, ninguém pode acusar a Igreja de ser contra o novo regime, porque todos conhecem pelo nome bispos e padres católicos, para não falar em genuínos fiéis, que sempre lutaram pela democracia - e alguns até foram presos ou expulsos sob o regime autoritário. E se, amanhã, o regime virar comunista, há sempre um bispo vermelho, dezenas de padres, e milhares de fieis, para mostrar como exemplos.

É a liberdade de expressão católica, com a sua incapacidade certa para gerar consensos e a sua tolerância à opinião contrária, que ao longo da história garantiu a sobrevivência à Igreja e à própria cultura católica.

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