Quando os interesse corporativos num país de tradição católica ficam instalados é muito difícil desalojá-los, porque eles são muito poderosos - muito mais poderosos, ao contrário daquilo que geralmente se pensa, do que num país de tradição protestante. Neste, a corporação cimenta-se em interesses que são predominantemente de natureza económica. Num país católico, além dos interesses económicos, a corporação é cimentada em fortes relações pessoais entre os seus membros.
O governo democrático torna-se então uma instituição muito frágil para lidar com uma corporação num país de tradição católica: retira ou diminui os privilégios à corporação e sujeita-se a um violento confronto que lhe diminui seriamente a popularidade, ou não faz nada e recebe a impopularidade da generalidade dos cidadãos por não ter retirado os privilégios à corporação. Nesta situação, em que o governo democrático fica literalmente sobre o fio da navalha, o recurso à propaganda, à decepção, quando não, literalmente, à mentira, torna-se inevitável.
Um exemplo servirá para ilustrar o dilema. O governo actual anunciou, como parte do seu programa, que iria reduzir as pensões de reforma de valor superior a cinco mil euros mensais. Tratava-se de uma medida obviamente popular, num país onde o salário médio de um trabalhador activo ronda os oitocentos euros por mês e onde a pensão de reforma média não chega a metade.
E, de facto, há cerca de um ano, o governo publicou - e os jornais anunciaram com as parangonas devidas - a publicação do diploma legal que limitava a cinco mil euros por mês as reformas pagas no país. Porém, a maior parte das pessoas - a começar, obviamente, pelos jornalistas - não lêem as leis, e aqui reside precisamente o segredo. Porque, quem ler a lei, vai ver que ela contém excepções. E uma das excepções são os juízes. Ora, acontece que das pessoas que recebiam reformas mensais superiores a cinco mil euros por mês, 90% eram juízes - os quais ficaram isentados da aplicação da nova lei.
Foi assim que o governo acabou com as reformas superiores a cinco mil euros por mês no país, sem praticamente lhes ter tocado.
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