A organização da vida política de um país sob a forma de partidos, actuando em concorrência pelo poder, é uma criação dos países do norte da Europa, e uma herança directa da sua tradição protestante - uma réplica da sua vida religiosa, organizada sob a forma de seitas.
Na tradição católica é diferente - uma grande e única organização, actuando sob a forma de um monopólio, que assegura a unidade sob a direcção de uma autoridade pessoalizada e centralizada.
É curioso observar que Friedrich Hayek, um dos mais reconhecidos liberais modernos, embora sendo um agnóstico, quando lhe foi perguntado qual a versão que preferia do cristianismo, optou pelo catolicismo "because it contains, at least, the articles of the faith".
Numa tradição, como a protestante, onde várias seitas em concorrência julgam falar com Deus e interpretar a palavra de Deus, o resultado, a prazo, não é apenas a multiplicação das seitas e, no limite, o aparecimento de homens que individualmente julgam, eles próprios, falar com Deus -um fenómeno em que os países de tradição protestante são ferteis. O resultado mais importante é o desprestígio da própria ideia de Deus.
Quando este modelo é aplicado num país católico, os resultados são desconcertantes e, de uma forma subtil, de certo modo hilariantes. Aqui, o homem comum não está habituado a falar directamente com Deus, sendo esta tarefa o privilégio de uma classe profissional - o clero - que, por sua vez lhe transmite a palavra de Deus (the articles of the faith, na feliz expressão de Hayek).
Nesta tradição, quando o clero é tirado do caminho, e os homens se organizam em seitas (ou partidos) para falarem directamente com Deus, a sua primeira preocupação é a escolha dos eleitos a quem será reservada essa tarefa. Daí a tendência que os partidos políticos na tradição católica possuem para discutir pessoas, e não ideias. As ideias constituem a sua maior dificuldade. Em princípio, as ideias resultariam da sua conversação com Deus. Mas como os homens nesta tradição não estão habituados a falar directamente com Deus, o resultado inevitável é o embaraço e a paralisia neste domínio.
O congresso do PSD foi um exemplo ilustrativo. Discutem-se pessoas até à exaustão e os lugares que elas hão-de ocupar. Quanto a ideias, nem uma. Nem se lhe podia exigir isso, por falta de hábito, e visível embaraço.
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