É uma característica fundamental da opinião pública portuguesa a de ela ter uma visão do país que é muito pior do que aquela que corresponde à realidade. E o problema não é apenas português - é geral em todos os países de tradição católica.
Na formação da opinião pública de um país desempenham papel fundamental os intelectuais, todos aqueles que ganham a vida predominantemente pela pena e pela língua. Professores de todos os graus de ensino, jornalistas, cientistas, os chamados homens da cultura, ainda aqueles que tendo sido formados nas universidades desempenham normalmente as funções de chefia nas organizações - públicas e privadas - e cuja opinião afecta, às vezes de forma decisiva, a de todos aqueles que se encontram sob o seu comando.
Como é possível, então, que os intelectuais possuam uma opinião tão desfavorável e errada acerca do seu próprio país - eles que, em primeiro lugar, deveriam ser os homens da ciência, do pensamento e do saber?
De há dois séculos para cá, a religião tornou-se, aos olhos dos intelectuais, uma matéria que não possui dignidade científica e não é um objecto digno do seu pensamento nem merecedor da sua atenção e estudo. A religião foi remetida ou para a esfera privada de cada homem ou para a sacristia, ou simplesmente ignorada nas chamadas análises científicas da realidade. Omitindo a religião do âmbito do seu pensamento, os intelectuais, em geral, passaram a cometer um grave erro, que é o de analisarem a sociedade expurgando uma parte importante dela e, na minha opinião, a parte mais decisiva - a esfera religiosa.
Como acontece com todos aqueles que deturpam a realidade, mais cedo ou mais tarde a realidade acaba por vir ter com eles, normalmente pregando-lhes uma partida. Na verdade, se os intelectuais tivessem dado atenção ao estudo da religião, ter-se-iam apercebido que uma das teses mais defendidas pela Igreja Católica ao longo dos séculos - e uma tese que foi decisiva para a sobrevivência e a prosperidade da civilização ocidental -, foi a tese de que a vida terrena corresponde a uma fase da vida do homem que antecipa uma vida extraterrena que é muito melhor e que, no limite, se atinge no paraíso.
É uma parte integrante da doutrina católica desde há séculos depreciar esta vida em comparação com a vida que está para vir. E, por isso, os povos de tradição católica possuem uma tendência irreprimível para dizerem mal deste mundo e de tudo o que os cerca - a começar pelo seu próprio país. Trata-se, porém, de um preconceito, e um preconceito de que os intelectuais portugueses há muito se poderiam ter libertado - se estudassem religião, é claro, em lugar de a ignorar. No fim, os intelectuais dos países católicos, a despeito do seu agnosticismo e ateísmo frequentes, permanecem ainda excessivamente impregnados pela cultura católica, ao ponto do preconceito.
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