22 outubro 2007

até os blasfemos são livres

Num post anterior argumentei que Portugal deveria imitar a constituição irlandesa e considerar a blasfémia um crime. Na caixa de comentários, o Euroliberal corrigiu-me, chamando a atenção para o facto de a blasfémia ser crime em Portugal. E citou os artigos 251º e 252º do código penal. A pena vai até um ano de cadeia ou 120 dias de multa.

Trata-se de uma daquelas situações muito frequentes na cultura católica em que certas leis existem, mas não são aplicadas. O seu efeito passa a ser sobretudo preventivo e não punitivo, tendo em conta que os comportamentos que elas visam impedir não são comportamentos de massa, mas apenas casos de excepção socialmente insignificantes. Acresce que a cultura católica, que é muito pessoalizada, atribui grande relevância aos crimes de sangue, mas é muito tolerante em relação aos crimes que se traduzem em ofensas por palavras.

Porém, o meu interesse em comparar as culturas católica e protestante, levou-me a inquirir como seria num país protestante - por exemplo, os EUA - se a sua lei penal contivesse as disposições dos artigos acima indicados do código penal português.

Nos EUA, qualquer pessoa que proferisse uma blasfémia, mesmo na intimidade do seu ambiente de trabalho, seria imediatamente levada perante a justiça, provavelmente denunciada por um colega de trabalho. Primeiro, podia ser que só fosse condenada em multa, mas à segunda apanhava cadeia pela certa. E, no caso de reincidência continuada, apanharia mesmo muitos anos de cadeia - no limite, prisão perpétua - agora, não já apenas pelo crime de blasfémia, mas por desprezo ostensivo pela lei e pelos tribunais.

E em Portugal, como é? Enquanto permanecerem casos isolados e excepcionais e não representem uma ameaça à sociedade, até os blasfemos são livres - apesar de serem criminosos, à luz da lei penal do país. Não apenas isso. Enquanto nos EUA, o blasfemo reincidente ou compulsivo seria fechado na cadeia para o resto da vida por desprezo pela lei, e não somente pelo crime de blasfémia, em Portugal um blasfemo compulsivo tem até a liberdade para se tornar professor de Direito - pregando aos alunos na aula o respeito pela lei, para depois vir cá para fora blasfemar e dar o exemplo aos alunos de falta de respeito por ela.

Nos EUA, o blasfemo reincidente seria fechado na cadeia. Em Portugal, ele permanece livre. Mas será que a cultura católica não o penaliza de todo? Penaliza-o, embora de uma forma muito mais suave que a cadeia - normalmente, não o tomando a sério.

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