04 outubro 2007

as razões do aumento

Eu tenho mantido neste blogue uma divergência com o Rui que respeita ao Estado - especialmente o Estado central. Ambos estamos de acordo que o Estado é grande e omnipresente no país e que, em muitos aspectos, isso representa um ónus para a sociedade. Na realidade, desde 1973 o Estado em Portugal cresceu de 19.9% para 48% do PIB.

Naquilo em que ainda não nos entendemos é acerca do modo de reduzir o peso do Estado na economia e na sociedade, e mesmo quanto às razões desse aumento. Começarei pelas razões do aumento.

Se eu interpreto bem o argumento do Rui, o aumento do peso do Estado na sociedade é a consequência de uma tradição centralizadora existente em Portugal. O meu argumento, pelo contrário, é o de que é o resultado da democracia - isto é, do regime de liberdade política e dos seus excessos -, e não sendo a democracia um regime com tradição em Portugal, então, se o meu argumento é correcto, o aumento do Estado não é resultado de nenhuma tradição do país.

A nossa tradição de organização política é semelhante à da Igreja Católica. Um sistema piramidal possuindo no vértice uma autoridade pessoalizada e forte, cuja função principal é a de zelar para que o edifício social - ou a Igreja, consoante o caso - não seja destruído. Desde que esta condição seja cumprida, a autoridade central não se imiscui nos assuntos privados da sociedade, concedendo-lhe a mais ampla liberdade, até lhe tolerando os excessos. A considerável descentralização da Igreja Católica, com a imensa liberdade das dioceses e das paróquias, possui o seu equivalente em Portugal na grande tradição municipalista e de grandes liberdades locais. Esta é a nossa verdadeira tradição de séculos.

Foi o assalto a esta tradição que produziu o movimento e a tendência centralizadora em Portugal, e isso aconteceu quando começaram a soprar no país os ventos que conduziriam à Revolução Francesa, e o seu primeiro intérprete no país foi o Marquês de Pombal. A revolução de 1820 veio iniciar um período que se prolongaria por quase um século caracterizado por um equilíbrio precário entre a autoridade pessoalizada, mas cada vez menos forte, do rei e a ambição do povo que desejava tomar-lhe o lugar. E, quando a democracia republicana triunfou em 1910, então foi o descalabro. O Estado português aumentou primeiro, centralizou-se depois e destruíu-se, por fim.

A tal ponto que o regime que se lhe seguiu se chamou Estado Novo, sugerindo pelo seu nome o ponto a que tinha chegado o Estado Velho da República. Foi Salazar - uma autoridade pessoalizada - que diminuiu o Estado que a democracia republicana tinha aumentado; foi ele que o descentralizou de novo, devolvendo aos municipios e até às juntas de freguesia muitas das funções que lhe tinham sido sonegadas; foi ele que criou estruturas administrativas regionais - os distritos - que chegaram a possuír poderes significativos no país - e que a democracia actual praticamente destruíu.

O aumento do Estado e a centralização são consequênciaa directas da democracia e, como tal, problemas que nunca se irão resolver em democracia. Pelo contrário, só podem agravar-se.

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