29 setembro 2007

excessos pecaminosos

Num post anterior salientei que, nas duas últimas décadas, os milagres económicos que o mundo ocidental conheceu foram, um da cada vez, o Chile e a Irlanda. Ambos países católicos.

No Chile, o factor principal do seu milagre económico foi, obviamente, o Estado forte, pequeno, sério e autoritário de Pinochet, bem como a imensa esfera de liberdade que ele concedeu à iniciativa privada na sociedade imitando, com algumas décadas de atraso, aquilo que Salazar fez em Portugal e Franco fez em Espanha - e com os mesmos resultados. Na realidade, os dois últimos milagres económicos que o mundo ocidental tinha conhecido antes do Chile e da Irlanda tinham sido precisamente Portugal, em primeiro lugar, e a Espanha em segundo, durante a década de sessenta e até princípios da década de 70. (Em 1973, Portugal cresceu à taxa anual de 11.2%).

O caso da Irlanda é talvez mais complexo, porque o seu milagre económico processou-se em democracia. Algumas das razões deste milagre já foram indicadas no meu post anterior. Mas como foi possível que ele ocorresse em democracia, sendo o país católico e, portanto, possuindo uma cultura que é, em princípio, adversa à democracia e onde a democracia tende a destruír, não a construír?

É preciso notar, em primeiro lugar, que a Irlanda é um país católico rodeado de países protestantes - um verdadeiro enclave católico em meio essencialmente protestante. Por isso, ao longo dos últimos séculos, enquanto os intelectuais portugueses se podiam dar ao luxo de desbaratar a sua cultura católica e perseguir a Igreja Católica porque não conheciam outra cultura, os intelectuais irlandeses - e a população irlandesa -, ao mesmo tempo, tinham de se aplicar a defender a sua cultura católica e a proteger a Igreja Católica, porque estavam ameaçados e em desvantagem perante outra cultura que lhes era adversa.

Talvez por isso, os irlandeses sejam hoje em dia na Europa o povo mais militantemente católico - uma sociedade em que o catolicismo possui ainda hoje uma grande influência, como ilustrei no meu post anterior, e onde a Igreja Católica detém posições de influência considerável em sectores-chave da vida social, como a educação, a assistência social e a saúde.

Ao mesmo tempo, assediada por sociedades de cultura protestante, a Irlanda pode bem, ao longo da sua história, ter assimilado no seu catolicismo alguns dos melhores valores da cultura protestante - a democracia e a disciplina para conter, dentro de limites razoáveis, os excessos pecaminosos da liberdade que a cultura católica intrinsecamente possui.

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