24 setembro 2007

cataratas


É a cultura dos empregados do Estado - que é um reflexo da cultura existente na sociedade - que faz a grande diferença entre a qualidade do Estado canadiano e a qualidade do Estado português. A eficiência, a prontidão, o empenho, a delicadeza, a reverência até com que eles tratam os cidadãos.

No Canadá - como, em geral, nos países anglo-saxónicos - eles são chamados public servants e é isso que eles, na realidade, são - servidores do público. Pelo contrário, em Portugal, eles são chamados funcionários públicos, que é uma coisa muito diferente. Estes estão lá, não para servir o público, mas para executarem as funções - as ordens - que as hierarquias lhes mandam executar e que, frequentemente, são contra os interesses do público.

No Canadá, um public servant promove-se na carreira servindo bem o público. Pelo contrário, em Portugal, um funcionário público que sirva bem o público vai ser marginalizado e nunca progredirá na carreira, porque ele mina o espírito de corpo. Em Portugal, um funcionário público obtém promoções na carreira servindo bem as hierarquias - o chefe da repartição, o director-geral, o secretário de estado, o ministro -, ainda que isso signifique ficar de costas voltadas para o público.

O contraste entre as duas culturas é de tal forma radical que é impossível Portugal ambicionar alguma vez possuír um Estado com a qualidade do Estado canadiano, ou sequer que distantemente se aproxime. A menos que fossem transplantados para Portugal os public servants canadianos - e, mesmo assim, a solução só duraria enquanto eles não se aculturassem.

O problema seria então o que fazer dos nossos funcionários públicos. Mandá-los para o Canadá? Eu não lhes desejaria tal sorte. Em breve, haveria uma revolução no país, com os cidadãos canadianos a pegarem nos seus novos funcionários públicos, recém chegados de Portugal, e a lançarem-nos, em massa, às cataratas do Niagara ou para dentro de algum lago gelado. E a ironia é que eles seriam deitados às cataratas ou ao lago sem saberem bem porquê, julgando genuinamente que estavam a cumprir de forma exemplar as suas funções - prestando vassalagem às hierarquias, em lugar de servirem o público.

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