24 setembro 2007

o gajo


Quem vai de Portugal para o Canadá um dos aspectos que mais impressiona é a qualidade do Estado, dos serviços públicos e dos funcionários públicos. Este é um país em que até dá vontade ter um Estado e pagar impostos.

Eu não estou nada convencido que alguma vez seja possível imitar em Portugal a qualidade do Estado canadiano. Pelo contrário, tendo lá permanecido dois meses o ano passado, tive oportunidade de observar que as diferenças são agora ainda maiores do que quando lá cheguei pela primeira vez em 1978. A razão é que o problema não é de natureza técnica. É um problema de natureza cultural e, neste aspecto, como seria de esperar, nós não mudámos praticamente nada no espaço de trinta anos - nem eles.

Lembro-me que, em 1978, quando lá cheguei, um dos aspectos que mais me impressionou foi o facto de, mesmo nas conversas informais e entre amigos, os canadianos se referirem ao primeiro-ministro com uma postura de genuíno respeito e deferência, Mister Trudeau ou Monsieur Trudeau, consoante fossem anglófonos ou francófonos - e aplicassem o mesmo tratamento a qualquer dos governantes ou dos altos dirigentes da administração. Ora, no mesmo ambiente informal, pensei eu, os portugueses tratariam o primeiro-ministro com mais à-vontade - o Trudeau para aqui, o Trudeau para acolá - e, no decorrer da conversa passariam mesmo a referir-se a ele como o gajo.

Mais impressionante é que, mesmo em circunstâncias informais, os canadianos se referiam ao governo e aos governantes como our government ou notre gouvernement - uma instituição e um colectivo a quem os portugueses, em condições de idêntica informalidade, teriam aplicado o termo os gajos.

Aqui estava um povo que gostava do seu governo e dos seus governantes e os tratava com deferência, mesmo quando mais ninguém estava a ouvir. Pensei que a razão era a cultura democrática do país. Em democracia, o povo elege o governo o qual, a partír daí, passa a ser, literalmente, o seu governo.

Pelo contrário, na altura, Portugal dava apenas os primeiros passos na democracia - e passos que eram bastante turbulentos - depois de quase meio século de ditadura. Previ então que, com o decorrer do tempo e a cultura democrática, os portugueses acabariam também a referir-se ao governo ou aos governantes, mesmo em condições de informalidade, como o nosso governo, e não simplesmente como os gajos.

Já passaram quase trinta anos.

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