Por entre todos os meus livros da adolescência, o mais marcante foi O crime do padre Amaro. Foi o único livro até hoje que me comoveu. Talvez por isso, desde que o li, teria então 14 ou 15 anos, nunca mais voltei a abri-lo. Não me lembro de nenhum dos detalhes do livro, excepto do seu tema principal - é a história de um amor desinteressado e puro entre um jovem padre e uma jovem mulher, passada numa paróquia ali para os lados de Leiria.
Este livro, que foi escrito por um homem pertencente a uma geração profundamente anti-clerical e jacobina, é um tributo extraordinário à cultura católica do seu país, especialmente num aspecto a que fiz referência no meu post anterior. A Igreja Católica - e a cultura milenar que ela enformou - exige muito do homem, impondo-lhe padrões de comportamento às vezes elevadísssimos, mas depois, possuindo uma enorme flexibilidade, acaba por aceitar e ficar contente com menos, às vezes bastante menos.
A castidade é certamente um desses padrões exigentíssimos impostos pela cultura católica aos padres, e não existem muitos homens que o possam atingir ao longo de uma vida. O padre Amaro falhou, não conseguiu chegar lá e, aos olhos da Igreja, cometeu um crime. Porém, aquele crime foi cometido não por um motivo qualquer, não certamente por um amor banal ou passageiro, menos ainda por uma mera atracção sexual. O amor do padre Amaro era um amor genuíno e profundamente humano de um homem para uma mulher - um amor que era, em primeiro lugar, espiritual e em que a relação carnal acabou por surgir como consequência natural e inevitável.
Naquele que é um traço típico da cultura católica, ela começa por impor aos homens padrões de comportamento extraordinariamente exigentes, às vezes quase sobre-humanos. Ao mesmo tempo, porém, abre-lhes sempre uma porta para que os homens se possam redimir, no caso de não os conseguirem atingir - desde que a redenção seja feita em nome de um comportamento envolvendo padrões tão ou mais elevados do que aqueles que foram inicialmente falhados.
Perante um amor desinteressado e puro por uma mulher, como era o amor do padre Amaro, e que tinha reciprocidade em idênticas condições, que importância tem a violação do dever de castidade de um padre? Praticamente, nenhuma. Por isso, perante a imputação do crime ao padre Amaro, o leitor chega ao final do livro e só pode pronunciar um veredicto: Absolvido.
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