14 agosto 2007

pigs might fly

Durante muitos anos eu tive de David Hume a opinião que ele pretendeu passar para a História - a de um cavalheiro, na realidade a de um deão dos cavalheiros. Hoje, estou cada vez mais inclinado a pensar que ele era um impostor.

Ao contrário dos seus antecessores Descartes, Locke e Berkeley que, talvez pela sua religiosidade, eram homens genuinamente comprometidos com a procura da verdade, Hume é talvez o primeiro filósofo moderno a utilizar a filosofia para fazer política e, mais importante ainda, para atingir a glória pessoal e realizar a sua vaidade pessoal. Com Hume a filosofia passa a ser um jogo de palavras e argumentos que se emitem da boca para fora, sem qualquer relação com a vida - a começar pela sua própria vida - e um jogo que ele cultivou abundante e alegremente nos salões de Paris, Londres e Edimburgo.

O que levará um homem, que viveu sempre obcecado pela sua fama literária, a escrever o seu próprio elogio fúnebre quatro meses antes de morrer - um elogio onde abundam as qualidades e não aparece um único defeito?

Diz Hume : "I am, or rather, was (...) a man of mild dispositions, of command of temper, of an open, social and cheerful humour, capable of attachment, but little susceptible of enmity, and of great moderation in all my passions. Even my love of literary fame, my ruling passion, never soured my temper, notwithstanding my frequent disappointments. My company was not unacceptable to the young and careless, as well as to the studious and the literary; and as I took a particular pleasure in the company of modest women, I had no reason to be displeased with the reception I met with from them". (1)

Esta descrição é feita por um homem que considerava o Eu um amontoado de percepções dispersas e vagas e sem qualquer relação entre elas, e portanto negava ao homem a possibilidade de se conhecer a si próprio.

A negação das relações de causalidade é, talvez, o tema central da obra filosófica de Hume, embora na sua prática diária, e na sua escrita, ele fizesse uso delas como qualquer ser humano normal. O facto de eu largar um calhau da mão e ele cair em direcção ao chão, em lugar de subir em direcção às nuvens, e repetir esta experiência mil vezes, na opinião de Hume não prova nada.

Em particular, não se pode provar a partir daqui que, da próxima vez que eu largar o calhau da mão, ele cairá para o chão, em lugar de subir para o ar. Não existe conhecimento certo e o cepticismo radical é a única opção disponível.

A objecção é pertinente. Porém, eu teria visto aqui a necessidade de apelar a uma entidade exterior, provavelmente incompreensível, mas que assegurasse a minha razão que, da próxima vez que eu largar um calhau da mão, ele cai para o chão e não sobe para o ar. A essa entidade exterior, que aparece como uma necessidade da razão, a humanidade tem chamado geralmente Deus.

Porém, Hume tinha excluído Deus desde o início - e Deus constitui a única resposta racional conhecida ao problema que ele colocou. Pelo contrário, a resposta que ele próprio deu, que foi a do cepticismo radical que proíbe toda a inferência, torna a vida humana radicalmente impossível e é, por isso, a mais irracional de todas as respostas.
Não apenas eu espero que da próxima vez que largue o calhau ele caia para o chão, como espero que o sol volte a nascer amanhã, espero ainda que a próxima laranja saiba a laranja e não a bife, espero também que amanhã existam médicos no país e que os pássaros voltem a voar, espero ainda ser lido por alguém neste blogue, espero também que o mar que está aqui a uma distância de duzentos metros da minha casa, continue lá amanhã sensivelmente à mesma distância, e espero ainda que, no final do mês, o meu empregador me pague o ordenado.

A vida humana não seria possível sem estas inferências permanentes - embora algumas acabem por falhar. Porém, para Hume, todos estes acontecimentos futuros têm idêntica probabilidade de ocorrer como de não ocorrer. Hume é talvez o primeiro autor moderno que pretendeu fornecer uma demonstração da impossibilidade dos milagres. No entanto, eu estou convencido que ninguém, como ele, tornou os milagres tão plausíveis e prováveis.

Nunca ninguém viu um porco a voar, portanto os porcos não voam - digo eu. David Hume oporia a esta minha inferência um cepticismo radical - os porcos podem voar. Hume é talvez o charlatão por excelência da filosofia moderna - e o pai de todos os outros charlatães que se lhe seguiram.
(1) My Own Life, op. cit. A gabarolice final em relação às mulheres (Hume permaneceu solteiro toda a vida) deveria ser investigada profundamente; suspeito que as conclusões possam ser surpreendentes nesta área.

Sem comentários: