14 agosto 2007

Freiburgo, Eramus e Hayek



Na recente viagem de férias à Suíça acabei também por fazer uma incursão à Alemanha, mais propriamente à Floresta Negra.

Freiburgo, “cidade livre”, fica nessa zona (a da Suíça é Friburgo). Uma cidade que faz jus a inúmeros grandes pensadores a quem o seu nome está ligado.
Freiburgo, minada pelos nazis (como represália à sua oposição a Hitler), acabaria bombardeada pelos aliados em 27 de Novembro de 1944. O preço da liberdade.
Mas foi na casa em que habitou Erasmus que me vi a reflectir sobre as diferenças entre as culturas e religiões, mesmo entre a tradição católica e protestante do cristianismo. Um tema que aqui (como já antes no Blasfémias) tem vindo a ser explorado por Pedro Arroja e Rui A. Descobri que essa casa tinha sido anteriormente a habitação do representante para as finanças do Império Austríaco e comecei logo a associar Erasmus e Hayek.

Todos sabemos que Desidério Erasmus (1466-1536), natural de Roterdão, foi o humanista que maior influxo exerceu na Europa do seu tempo através dos seus livros e das suas cartas. Aconteceu até que a sua pretensão em reformar a Igreja decaída, através do regresso às fontes do cristianismo, em especial a Bíblia e os Santos Padres, o tornaram - aos olhos de muitos - próximo dos arautos da Reforma, a ponto de acabar por se ter de refugiar em Basileia, terra de reformadores. Só que, à medida que a Reforma ia desafiando todas as tradições e a luta entre protestantes e católicos se acentuava, Erasmus acabou por ter que fugir da Basileia (oficialmente declarada como “reformada”) e ir para Freiburgo.

É verdade que Erasmus com as suas ideias favoreceu a livre interpretação das fontes dogmáticas e a tolerância religiosa. Mas à medida que essa tolerância ia sendo negada por Lutero, como depois por Calvino, Erasmus, um grande e íntimo amigo do nosso Damião de Góis, acabou por fazer - contra “De servo arbítrio” (de Martinho Lutero) - a defesa do livre arbítrio na sua obra “Diatribae de libero arbítrio” (cujo título completo é: “Hyperaspistae diatribes adversus servum arbitrium Martini Lutheri”).

Não terá sido por acaso que Hayek, à sua maneira ele próprio um crítico da Igreja, a ponto de se assumir como agnóstico, depois das experiências protestantes de Londres e Chicago, também acabou por regressar, não a Viena mas à cidade livre e católica de Freiburgo: o seu último lugar de ensino e de despedida deste mundo.

De facto, foi de Feiburgo que recebi a sua carta (5 de Junho de 1987) de resposta a um pedido de indicação de bibliografia antes de iniciar o meu doutoramento. E foi também de Freiburgo que, já não ele, mas a sua secretária, me respondeu (a 12 de Março de 1992) agradecendo o envio da minha tese de doutoramento. Isto a 11 dias da sua morte, ocorrida a 23 de Março.

Não será a vida e a obra de Hayek uma versão actualizada, quase cinco séculos depois, do desiderato de Erasmus e das lutas que enfrentou, tão bem satirizadas no seu célebre “Elogio da loucura” (obra dedicada ao seu amigo Tomás Morus)? Não serão as obras destes dois grandes humanistas complementares e ao mesmo tempo cruciais para abrir caminhos de liberdade e civilização e não de servidão e barbárie?

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