É óbvio que Hayek compôs um sistema de ideias. E que, como todos os compositores, pretendeu que o conjunto da sua obra fosse harmónico e coerente, que as partes não se contradissessem e que o resultado final fizesse sentido. Como era um filósofo político, a sua reflexão incidiu sobre o indivíduo, a sociedade e as suas várias formas de uns e outros se ordenarem e governarem. Preocupou-se, como qualquer filósofo que se preze, com que a sua teoria espelhasse a realidade. E, como todos os filósofos também, pretendeu, por vezes, que a realidade se encaixasse na sua teoria. Quererá isto dizer, por outras palavras, que Hayek construiu uma ideologia? Que o liberalismo é, segundo ele, a ideologia da liberdade? Não o creio, embora conceda também que existem fortes vestígios disso nalgumas partes da sua obra.
De facto, Hayek não era exactamente um sociólogo, isto é, um filósofo que se arrogasse no conhecimento da sociedade humana e das suas «leis». Não é propriamente um herdeiro de Spencer, para quem a sociedade não tem mistérios que se não possam descobrir. Como não é um positivista, degenerescência mais do que compreensível do racionalismo cartesiano, Hayek proclama-se impotente para compreender os mecanismos que determinam o comportamento dos indivíduos e dos agregados sociais que os compõem e, por essa razão, não lhe resta outro caminho senão enjeitar qualquer outro «dirigismo» que não seja o dos indivíduos sobre as suas próprias vidas. A essa forma de «dirigismo» chama-se liberdade, conceito cuja definição é, como tão bem escreveu Hanna Arendt, «uma missão sem esperança». Contudo, uma missão de que não podemos desistir.
Dessa liberdade individual, mesmo quando ela é fortemente reduzida, resultam comportamentos imprevisíveis, logo, impossíveis de prever e de planificar. A sua recusa do intervencionismo baseia-se nisto. Por outro lado, a acção humana vai gerando formas de comportamento, normas de conduta, regras de resolução de conflitos e instituições que as fiscalizam e aplicam. Nesse sentido, ele é um herdeiro de Locke, para quem o governo e as suas instituições nunca fizeram espécie, nem contradizem o ideal da liberdade, antes o reforçam e garantem. Hayek é, por isso, um evolucionista, no sentido de que, como ele mesmo escreve (LLL), «a teoria da evolução, em si, não fornece mais do que a descrição de um processo cujo resultado dependerá de uma enorme quantidade de factos particulares, excessivamente numerosos para que pudéssemos conhecê-los na sua totalidade, e, portanto, não permite previsões de futuro. Por conseguinte, estamos restritos a ‘explicações de princípio’ ou, simplesmente, a previsões de padrão abstracto a que o processo obedecerá.»
Todavia, há que reconhecer que, para Hayek, ainda no seguimento de Locke, a liberdade, a propriedade, a segurança dos indivíduos são valores fundamentais, ao serviço dos quais devem estar as instituições públicas e as magistraturas. Neste sentido, ele é um ideólogo, porque propõe objectivos e finalidades para o poder político. Há, de facto, quem não pense deste modo e, por exemplo, quem considere que o poder político deve diminuir, ou mesmo suprimir, a propriedade privada, que deverá sobrepor a sua soberania à liberdade, e que será por estes meios que a felicidade dos homens se alcançará. Estamos perante um outro tipo de ideologias, isto é, de propostas de programação dos poderes públicos. Numa sociedade democrática, todos temos direito a pensar o que quisermos e a exprimir livremente os nossos pensamentos. O que não podemos é acreditar que pensamos todos o mesmo e que todos os valores sociais e políticos são igualmente benévolos, sob pena de cairmos no mais puro relativismo.
De facto, Hayek não era exactamente um sociólogo, isto é, um filósofo que se arrogasse no conhecimento da sociedade humana e das suas «leis». Não é propriamente um herdeiro de Spencer, para quem a sociedade não tem mistérios que se não possam descobrir. Como não é um positivista, degenerescência mais do que compreensível do racionalismo cartesiano, Hayek proclama-se impotente para compreender os mecanismos que determinam o comportamento dos indivíduos e dos agregados sociais que os compõem e, por essa razão, não lhe resta outro caminho senão enjeitar qualquer outro «dirigismo» que não seja o dos indivíduos sobre as suas próprias vidas. A essa forma de «dirigismo» chama-se liberdade, conceito cuja definição é, como tão bem escreveu Hanna Arendt, «uma missão sem esperança». Contudo, uma missão de que não podemos desistir.
Dessa liberdade individual, mesmo quando ela é fortemente reduzida, resultam comportamentos imprevisíveis, logo, impossíveis de prever e de planificar. A sua recusa do intervencionismo baseia-se nisto. Por outro lado, a acção humana vai gerando formas de comportamento, normas de conduta, regras de resolução de conflitos e instituições que as fiscalizam e aplicam. Nesse sentido, ele é um herdeiro de Locke, para quem o governo e as suas instituições nunca fizeram espécie, nem contradizem o ideal da liberdade, antes o reforçam e garantem. Hayek é, por isso, um evolucionista, no sentido de que, como ele mesmo escreve (LLL), «a teoria da evolução, em si, não fornece mais do que a descrição de um processo cujo resultado dependerá de uma enorme quantidade de factos particulares, excessivamente numerosos para que pudéssemos conhecê-los na sua totalidade, e, portanto, não permite previsões de futuro. Por conseguinte, estamos restritos a ‘explicações de princípio’ ou, simplesmente, a previsões de padrão abstracto a que o processo obedecerá.»
Todavia, há que reconhecer que, para Hayek, ainda no seguimento de Locke, a liberdade, a propriedade, a segurança dos indivíduos são valores fundamentais, ao serviço dos quais devem estar as instituições públicas e as magistraturas. Neste sentido, ele é um ideólogo, porque propõe objectivos e finalidades para o poder político. Há, de facto, quem não pense deste modo e, por exemplo, quem considere que o poder político deve diminuir, ou mesmo suprimir, a propriedade privada, que deverá sobrepor a sua soberania à liberdade, e que será por estes meios que a felicidade dos homens se alcançará. Estamos perante um outro tipo de ideologias, isto é, de propostas de programação dos poderes públicos. Numa sociedade democrática, todos temos direito a pensar o que quisermos e a exprimir livremente os nossos pensamentos. O que não podemos é acreditar que pensamos todos o mesmo e que todos os valores sociais e políticos são igualmente benévolos, sob pena de cairmos no mais puro relativismo.
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