05 julho 2007

um princípio de civilização


Se atentarmos ao valor das palavras, ainda que nos recusemos a olhar para a História, compreenderemos com mais facilidade as coisas de que falamos. Por exemplo: o Estado de Direito, expressão relativamente recente na terminologia jurídico-política, verdadeiramente generalizada a partir de meados do século XIX, é um termo muito tardio, sobretudo se tivermos em consideração o tempo de vida do seu conceito prévio: o Estado.
Ele representa a ideia de que o Estado, isto é, os seus órgãos e agentes, devem agir contidos por regras jurídicas gerais e abstractas, legitimadas por uma autoridade fundada no consentimento popular, expressa através do voto. Até aqui, nada de novo a assinalar.
Mas, o que já é curioso, é constatarmos que um pressuposto que devia ser evidente desde sempre – o Estado obedecer a regras, é, afinal, coisa muito recente. O que, mutatis mutandis, significa que, durante séculos, desde as suas ancestrais origens até praticamente aos nossos dias, o Estado, isto é, repita-se, os seus órgãos e agentes, não obedeciam praticamente a nada, senão à sua vontade. Eram uma simples força bruta, uma potência sem freios nem limites de expansão. Nisso e por isso cometiam-se as maiores atrocidades e selvajarias, e desrespeitavam-se os mais elementares direitos dos homens. Por outras palavras, o Estado foi, até há bem pouco tempo, sinónimo de selvajaria absoluta.
O Estado de Direito, conquistado pela inteligência e pela resistência de muitos, ao longo de muito tempo e com muito martírio, é, por conseguinte, um princípio de civilização. Assinale-se, porém, que a potência, a pulsão expansionista, continua lá. Ainda que de formas mais sofisticadas e suaves, quem manda pretende sempre mandar mais. Compete, hoje como sempre, aos destinatários desse comando saberem pô-lo em parâmetros apertados, civilizados, o mesmo é dizer, dentro do direito.

1 comentário:

Eduardo disse...

Rui, estamos todos a aprender. Não se pode é deitar fora a água suja do banho e o menino que nela o tomou. Eu sei que a dimensão, o comportamento, as teias do nosso Estado são muitas vezes repugnantes. Mas também sei que tendemos a evoluir. Podemos ser melhores. Ao sermos melhores, podemos ir dispensando Estado. Pena é que o Estado seja basicamente uma agência de empregos e que não esteja sujeito a leis comuns, às leis que, por exemplo, regem as famílias (aqui prefiro a terminologia household).