Uma das diferenças principais entre o neoliberalismo(1) e o liberalismo clássico é a sua irreligiosidade. Ludwig von Mises colocou assim a questão:
"O liberalismo é baseado numa teoria puramente racional e científica da cooperação social. As políticas que ele recomenda são baseadas num sistema de conhecimento que, de nenhum modo, se refere a sentimentos, crenças intituivas para as quais não exista uma prova lógica suficiente, ou à fé em fenómenos sobrehumanos. Neste sentido, os (...) epítetos de ateísta e de agnóstico podem ser-lhe atribuídos".
E logo a seguir: "Seria, contudo, um sério erro concluir que (...) o liberalismo é anti-teísta ou hostil à religião. (O liberalismo) é inteiramente neutro em relação às crenças religiosas que não pretendam interferir com a conduta dos assuntos sociais, políticos e económicos."(2) (Bold meu)
Na opinião de Mises, o liberalismo é uma teoria científica da sociedade, da qual a religião é excluída. À pergunta: Mas, então, sendo eu uma pessoa de convicções religiosas, terei lugar na sociedade liberal imaginada por si?, Mises responde nas páginas seguintes e a sua resposta é uma afirmativa condicional: Sim, se mantiver as suas convicções religiosas para si, no domínio da sua esfera privada ou íntima.
Então e se eu decidir torná-las públicas, individualmente ou através da minha igreja, por exemplo, contrapondo à sua visão económica de que o Estado Social é uma instituição economicamente ineficiente, e que, portanto deve ser extinto, a minha visão cristã, segundo a qual é imperativo auxiliar os outros em situação de necessidade e que isso tem de ser feito, nem que seja através dum Estado social economicamente ineficiente?
Mises não se põe esta questão e, por isso, também não lhe responde. Mas é certo, pela parte sublinhada da citação acima, que a resposta é agora um rotundo não. Na sociedade liberal imaginada por Mises, a expressão pública de convicções religiosas na discussão dos assuntos sociais, políticos e económicos não tem lugar e deve ser banida(3). A razão é que, segundo ele, a religião não pertence à esfera da racionalidade, e portanto não pode participar no mesmo pé que a sua teoria científica na discussão de tais assuntos.
Não surpreende, por isso, que os neoliberais tendam a apresentar como primeira credencial o seu agnosticismo ou o seu ateísmo. E se tornem em seguida - às vezes, virulentamente - intolerantes em relação a toda a expressão pública do sentimento religioso. Nesta sociedade liberal, não é permitido falar em público sobre religião, ou fazer a religião intervir na discussão dos assuntos públicos, porque isso estraga os esquemas mentais, científicos e racionais, do seu autor.
(1) Eu tenho vindo a utilizar o termo neoliberalismo no sentido mais lato possível (incluindo o libertarianismo), para designar o novo liberalismo do séc. XX por oposição ao liberalismo clássico dos sécs. XVIII e XIX.
(2) Ludwig von Mises, Human Action, Third Edition Revised, Chicago: Henry Regnery Company, 1949, pp. 155 e segs.
(3) É interessante observar aqui que a inibição à expressão pública do sentimento religioso é uma característica marcante da cultura judaica, em resultado da perseguição a que foi frequentemente submetida.
"O liberalismo é baseado numa teoria puramente racional e científica da cooperação social. As políticas que ele recomenda são baseadas num sistema de conhecimento que, de nenhum modo, se refere a sentimentos, crenças intituivas para as quais não exista uma prova lógica suficiente, ou à fé em fenómenos sobrehumanos. Neste sentido, os (...) epítetos de ateísta e de agnóstico podem ser-lhe atribuídos".
E logo a seguir: "Seria, contudo, um sério erro concluir que (...) o liberalismo é anti-teísta ou hostil à religião. (O liberalismo) é inteiramente neutro em relação às crenças religiosas que não pretendam interferir com a conduta dos assuntos sociais, políticos e económicos."(2) (Bold meu)
Na opinião de Mises, o liberalismo é uma teoria científica da sociedade, da qual a religião é excluída. À pergunta: Mas, então, sendo eu uma pessoa de convicções religiosas, terei lugar na sociedade liberal imaginada por si?, Mises responde nas páginas seguintes e a sua resposta é uma afirmativa condicional: Sim, se mantiver as suas convicções religiosas para si, no domínio da sua esfera privada ou íntima.
Então e se eu decidir torná-las públicas, individualmente ou através da minha igreja, por exemplo, contrapondo à sua visão económica de que o Estado Social é uma instituição economicamente ineficiente, e que, portanto deve ser extinto, a minha visão cristã, segundo a qual é imperativo auxiliar os outros em situação de necessidade e que isso tem de ser feito, nem que seja através dum Estado social economicamente ineficiente?
Mises não se põe esta questão e, por isso, também não lhe responde. Mas é certo, pela parte sublinhada da citação acima, que a resposta é agora um rotundo não. Na sociedade liberal imaginada por Mises, a expressão pública de convicções religiosas na discussão dos assuntos sociais, políticos e económicos não tem lugar e deve ser banida(3). A razão é que, segundo ele, a religião não pertence à esfera da racionalidade, e portanto não pode participar no mesmo pé que a sua teoria científica na discussão de tais assuntos.
Não surpreende, por isso, que os neoliberais tendam a apresentar como primeira credencial o seu agnosticismo ou o seu ateísmo. E se tornem em seguida - às vezes, virulentamente - intolerantes em relação a toda a expressão pública do sentimento religioso. Nesta sociedade liberal, não é permitido falar em público sobre religião, ou fazer a religião intervir na discussão dos assuntos públicos, porque isso estraga os esquemas mentais, científicos e racionais, do seu autor.
(1) Eu tenho vindo a utilizar o termo neoliberalismo no sentido mais lato possível (incluindo o libertarianismo), para designar o novo liberalismo do séc. XX por oposição ao liberalismo clássico dos sécs. XVIII e XIX.
(2) Ludwig von Mises, Human Action, Third Edition Revised, Chicago: Henry Regnery Company, 1949, pp. 155 e segs.
(3) É interessante observar aqui que a inibição à expressão pública do sentimento religioso é uma característica marcante da cultura judaica, em resultado da perseguição a que foi frequentemente submetida.
5 comentários:
O problema dos "neoliberais" com o estado social não é a sua ineficiência mas o seu carácter coercivo.
Curiosamente os "neoliberais" portugueses são muitas vezes acusados de estarem muito próximos da igreja católica...
A questão do afastamento da religião da discussão pública é crucial. O principal inimigo do socialismo não é o capitalismo, que costuma ser até um bom aliado temporário, mas a religião. Os liberais que seguem, por vezes de forma inadvertida, um programa anti-clerical, mais não estão a fazer que apressar a sua derrota.
O prof. Pedro Arroja bem pode começar a cogitar um livro e dedicá-lo aos anti-clericais de todas as correntes políticas.
“Na sociedade liberal imaginada por Mises, a expressão pública de convicções religiosas na discussão dos assuntos sociais, políticos e económicos não tem lugar e deve ser banida” PA
É um grande descomedimento inferir tal coisa. Mises, por tudo que escreveu, nunca em circunstância alguma, desejaria proibir as homilias. Bem pelo contrário : Mises advogou total liberdade religiosa, alertando apenas para a necessidade de um Estado laico.
4 hero
"É interessante observar aqui que a inibição à expressão pública do sentimento religioso é uma característica marcante da cultura judaica, em resultado da perseguição a que foi frequentemente submetida."
Não haverá aqui um determinismo assim para o marxista? E será uma característica judaica sua?
os liberais (à sec.XIX) sempre me inspiraram simpatia pela sua filosofia racional, ao contrário dos conservadores e dos grupos filosóficos crentes, organizados ou não em religiões, que têm fundamento em valores que só fazem sentido se perspectivados por uma consciência que mistura elementos fundamentadamente reais com outros imaginados.
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