03 julho 2007

nem meramente para a sacristia

Num post anterior, sob o título a pessoa mais livre, eu considerei o Papa a pessoa mais livre que, provavelmente, existe no mundo. Logo a seguir, sob o título toda a liberdade, eu argumentei que uma pessoa livre como ele pratica o bem. Pois, nada impedindo o Papa de praticar o mal por acção deliberada, omissão ou simplesmente julgamento deficiente, porque haveria ele de fazer o mal se tem toda a liberdade para fazer o bem?

Sem estar escravizado a necessidades materiais, sem estar sujeito a qualquer grupo de interesses ou hierarquia, sem depender de clientelas partidárias para manter o seu lugar, sem estar preocupado sequer com o sustento de uma família, possuindo um poder que é pleno, supremo e universal, este é o homem mais livre do mundo - o único que, perante um problema, um conflito, uma disputa pode sempre decidir de acordo com a sua consciência.

A generalidade das pessoas, porém, está sujeita a necessidades materiais impostas pela sobrevivência, à sujeição a um patrão, a um chefe ou a um grupo de interesses, à dependência de uma clientela partidária, à preocupação de sustentar uma família - e, portanto, não são pessoas livres. É verdade, mas a liberdade não é um estado, menos ainda um direito, é um ideal que se atinge percorrendo por vezes um longo caminho na vida. Antes de se tornar o homem mais livre do mundo, o Papa também teve de percorrer esse processo feito de obediências, submissões, sujeições e dependências.

Porém, como símbolo da liberdade, ele é também um exemplo e um apelo - o apelo a que cada homem procure ser como ele, criando uma família de filhos autónomos que o liberte um dia da preocupação de os sustentar, trabalhando e poupando para conseguir o conforto material que o subtraia à escravidão de, em cada dia, ter de ganhar a vida, tornando-se independente dos grupos de interesses e das clientelas que inevitavelmente o escravizam a actos, a opiniões e a decisões colectivas. Quando um homem, percorrendo este caminho, tiver aproximado a condição do Papa, ele é um homem livre.

E quando muitos homens e mulheres, numa sociedade, o tiverem conseguido, não são apenas eles que são livres - é toda a sociedade que se torna uma sociedade livre. Porque, nessa altura, perante um abuso, uma injustiça, uma violência cometida sobre qualquer homem, por um governo, por uma hierarquia, por outro qualquer homem, é toda uma opinião pública que se vai levantar dizendo aquilo que deve ser dito e exigindo que se faça aquilo que deve ser feito - e não aquilo que é conveniente dizer e aquilo que é conveniente fazer para agradar ao governo, à hierarquia ou a um outro homem qualquer.

Mas para isso é necessário que a religião tenha uma expressão pública na sociedade - e não, como pretende von Mises, que ela seja remetida para a esfera privada de cada homem nem meramente para a sacristia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nao se tem necessariamente de ser Papa para ser livre. Banqueiro tambem resulta!

MCA disse...

Pelo contrário, o Papa é, talvez, o menos livre dos homens porque está totalmente limitado na sua liberdade de consciência. O Papa não pode ter uma crise existencial e perder a fé. Não pode defender publicamente coisas que, talvez, em conciência defenda (como o preservativo ou o divórcio religioso). É um homem aprisionadao do dever, o guardião de uma instituição milenar, carrega uma responsabilidade inimaginável e é menos livre do qualquer súbdito da mais violenta tirania.