05 julho 2007

o lugar de um homem livre

A concepção católica de liberdade é uma concepção de tal modo elaborada e amadurecida que permite abordar o tema da liberdade sob múltiplos angulos e pontos de vista, os quais, não obstante, convergem todos na essencialidade da ideia; ao mesmo tempo, da ideia católica de liberdade irradiam múltiplas interpretações alternativas, algumas complementares, mas que nunca são contraditórias.

Não devem parecer agora surpreendentes as concepções de Alexandre Herculano, segundo as quais "a liberdade é a verdade da consciência, como Deus" ou "a liberdade é o eu moral" ou de Lord Acton para quem a "liberdade é o reino da consciência". Menos imediatas, mas, ainda assim, inteiramente compatíveis com a concepção católica de liberdade, são outras afirmações do mesmo autor, como a de que "a liberdade é a condição do dever" ou a de que "a liberdade é menos segura como um direito do que como uma obrigação".Porém, o meu propósito neste post é o de tratar com um pouco mais de detalhe uma faceta particular - entre as muitas facetas possíveis -, da concepção católica de liberdade. Há cerca de dois meses, a propósito de uma discussão acesa na blogosfera, mas cujo motivo não importa aqui considerar, uma comentadora - a Zazie - escreveu: "o lugar de um homem livre é sozinho".

Na realidade, não estando um homem livre escravizado à opinião de ninguém, em certos momentos de crise, a exigirem decisões importantes e, às vezes vitais, para ele e para todos aqueles que dependem dele, ele não pode contar senão consigo e com a sua consciência. Nestes momentos, este homem tenderá a isolar-se dos outros, para reflectir, meditar e, finalmente decidir. (É assim também que imaginamos o Papa, o símbolo da liberdade católica, passando largos períodos da sua vida isolado, a meditar).

Nem um homem livre está particularmente equipado para se juntar a um partido político, a um jornal posssuindo uma certa linha editorial ou a um qualquer grupo de interesses reclamando uma ortodoxia. Mais cedo ou mais tarde, ele vai entrar em choque com a ortodoxia do grupo, a linha editorial do jornal ou a ideologia do partido, e será expelido ou impelido a saír. O lugar de um homem livre é, na realidade, sozinho - ou somente junto daqueles que ele considera igualmente livres como ele.

17 comentários:

Anónimo disse...

"O lugar de um homem livre é, na realidade, sozinho - ou somente junto daqueles que ele considera igualmente livres como ele.
" PA

Permita-me a franqueza mas já deveria saber isso quando se juntou ao blogue Blasfémias.


Soulfood

Mário Chainho disse...

Agora estar só não é prova de liberdade.

maria disse...

livres ou que pensem de igual modo? que não façam oposição! que grande infantilidade de ideias. Livra!

E sobre a conversa toda do Papa gostaria de a ver aplicada a Jesus Cristo, não ao Papa, que é tão livre como um pássaro na gaiola.

zazie disse...

Para a mc

Livres os que não dependem de arranjos de grupo; livres os que arcam sozinhos com as responsabilidades; livres os que não fazem concessões a nada, incluindo aos seus próprios interesses.

Não existe liberdade em termos absolutos, mas existem formas mais rápidas do que outras de se perder aquela que ainda é possível.

Só numa perspectiva utilitarista se pode achar que o Papa não é livre.

maria disse...

Zazie, Zazie

já tive (ai tive, tive) essa ideia lírica do papado, da Igreja...aqui para nós, quem observa de fora, quem vê o Papa pela TV, quem vai à missa uma vez por semana e nem sabe o nome do padre, até acha isso e muito mais. Quem mete as mãos na massa...descobre (e muito bem)que tanto o Papa como o mais anónimo católico, só são livres abraçando a Cruz de Cristo. E se me permites, não é com sapatinhos Prada que o Papa alcança a tal liberdade.

Perspectiva "utilitarista", estás a falar de quê? A missão do Papa é espiritual e muito terrena nas estruturas em que se move. Qual é a dificuldade? Acontece-nos a todos. O Papa recebe mais doses de Espírito Santo? isso mede-se em que medida?

E achas que o Papa mesmo nos dias actuais, não está lá fruto de arranjos? Não há várias correntes de força na Igreja? Só achará isso quem está mesmo de fora...mas eu não me incomodo, nem é isso que me vai afastar da Igreja. Não vou é em lirismos.

zazie disse...

MC,

Não foi por aí que isto começou.

Primeiro foi a questão política de um ser humano livre. Expliquei que entendo que a maneira mais rápida de perder a liberdade é entrar em conluios de grupo.

Quando falo em liberdade não me estou a referir a caprichos ou desportismos. Estou mesmo a pensar em algo positivo que implica uma superação das amarras mais interesseiras que o ser humano é capaz de inventar.

Em relação ao Papa tu é que és a católica. Eu sou apenas uma simpatizante da instituição. Penso algo parecido ao que até pensava o Francis Bacon (pintor) que era ateu.

O Papa é um personagem único. Com tudo o que de superior e dramático pode existir numa figura única.

Não creio que existe paralelo em mais nenhum cargo dessa importância. Políticos existem muitos, chefes de igrejas idem, mas uma cúpula em que apenas existe um representante só existe na Igreja Católica.

Não me vou agora alongar acerca desta particularidade porque já escrevi o suficiente noutros locais, mas é aqui que está a dita liberdade.

Para isso os sapatos Pradda não contam. Não contam porque a Igreja pós trentina seguiu essa via do luxo, da cor, da música, do brilho, do esplendor que toca os sentidos- a via abade Suger, por oposição à via S. Bernardo. Ou, se quiseres, a via romana, por oposição à iconoclastia puritanoa de um calvino ou ao purismo pesecutório de um Lutero.

É neste contexto e não noutro que existe o Papa. E ele representa um ideal, para chegar a Papa teve de dar provas de ser capaz de representar esse ideal.

O ideal é simples- tu devias conhecê-lo melhor que eu- servir os outros, servir o Bem e pregar a Paz em prol do cristianismo e da humanidade.

Se não acreditas neste ideal, isso então é outra coisa. Não acreditando na verdade da Igreja, não acreditando na verdade do Cristianismo, facilmente também não se acredita na verdade de um Papa.

Mas eu acredito- ainda que não seja "militante" nem praticante dessa Igreja. Acredito na bondade destes Papas bem longe dos Medicis- ainda que, historicamente, admire a grandeza cultural de toda a Igreja Católica, incluindo os seus desvarios próprios de outras épocas.

Por isso, por acreditar, por admirar a mensagem, por admirar estes últimos Papas, só usando da minha pequenês e má-fé é que poderia troçar ou lançar suspeições sobre as boas intenções deles. ´Teria de projectar toda a mesquinhez que não encontro dentro de mim, para duvidar daquilo que estou muito longe de conseguir imitar.

Sim, o Papa é a figura mais livre porque acredito que não é igual a um magnata em que liberdade significaria uso para satisfação pessoal de todos os bens e mordomias, de todo o possível poder terreno.

Porque a liberdade do Papa é paradoxal- não obedece a ninguém, não depende de ninguém, é livre de fazer e decidir- não tem uma única hierarquia acima dele, a não ser a maior que se possa pensar- a lei de Deus a que tem de obedecer.

zazie disse...

Espero que tenhas percebido o que é utilitarismo.

Utilitarismo é ver a lei de Deus como um salvo conduto terreno para se fazer a vidinha que qualquer poder terreno costuma dar a quem não se submete a uma lei superior à dos homens.

Em pequena escala podemos imitar este ideal.

Para começar há que limpar a má-fé.
Creio que tu devias começar por isso. E não o digo apenas por este comentário. Mas por todos os teus diálogos na blogosfera- partes sempre de má-fé e desprezo em relação aos outros e até em relação àquilo que parece ser tão importante para ti- a crença religiosa.

zazie disse...
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zazie disse...

Como sei que tens sempre dificuldade em sair do pessoal- em entrar na teoria, vou já explicar melhor, antes que venham os mal-entendidos do costume.

Eu não acho que sejas uma pessoa de má-fé. Para isso tinha de fulanizar conversas e querer devassar o espírito de alguém que nem conheço.

Acho que tens dificuldade em passar para os aspectos abstractos e teóricos e tendes, por isso mesmo, a tornar corriqueira qualquer noção.

Por outra questão- mais forte que crenças tens ideologia. E é sempre à luz dessa ideologia que lanças sarcasmo e partes para supostos diálogos com terceiros.

Se te "cheira" a coisa vinda da tribo má, lanças sarcasmo. Neste caso a tribo má nem é o Papa mas o igulitarismo da tribo boa também vive do falso dogma que é por ditadura de voto de maiorias que as coisas ganham verdade.

Um tremendo engano esse.

zazie disse...

Aí atrás, noutro comentário, houve alguém que formulou uma crítica ou um pensamento mais pertinente.

Consistiu em separar a figura humana do Papa da instituição que ele representa. Nessa perspectiva disse que o Papa, enquanto ser humano, seria um cativo da segunda e que só esta poderia representar o tal ideal supremo de liberdade.

Em parte poderia ser verdade. Caso não acontecesse algo mais paradoxal- tudo aquilo a que o Papa teve de abdicar, já o tinha feito antes- ao seguir a via do sacerdócio. A instituição a que preside é algo mais paradoxal- é-lhe imanente- é ele próprio.

Não existe lugar para mais ninguém enquanto for vivo. É aí que a questão do único reside.

zazie disse...

errata: pequenez.

Se não voltares e não responder nãoé por mais nada. Vou ficar um tanto fora de internet.

Anónimo disse...

"a maneira mais rápida de perder a liberdade é entrar em conluios de grupo."

zazie, mesmo que isso seja verdade, como e' que qualquer Papa chega a Papa (ou alguem chega ao lugar cimeiro de qualquer organizacao com Poder relevante) senao atraves de uma enorme habilidade na pratica dos tais conluios de grupo? Sera' por obra do Espirito Santo, ou derrotando/negociando os rivais?

zazie disse...

mp-s,

Já disse no outro post: respondo-te depois de desenvolveres e explicares a comparação que fizeste entre o Papa e um banqueiro.

A questão é simples: há uma instituição milenar que até tem um Estado. Ou bem que se aceita esta herança e se confronta com todas as outras religiões, ou bem que se nega a possiblidade da existência de religiões e apenas se aceitam seitas a funcionar em garagens ou em zonas jotas. Que em vez de terem esse poder para o usarem pela Paz mundial, se limitam a fazer uns sacrifícios de cabras e macumbas.

Tirando isto, tens depois todos os outros abnegados militantes das utopias ateias, com esses mundos maravilhosos com que já brindaram a humanidade para a salvar.

É assim, cá no planeta terra...

De tudo isto eu acho a figura do Papa a mais admirável aqui do planeta terra. Por lhe incluir o maior poder sem outra hierarquia acima a não ser uma divina, de cuja prova ninguém pode atestar.

Se conheceres outra maior, com idêntico poder e nesta mesma perspectiva, bota aí.

Já sei que é o banqueiro, mas acho que vou esperar sentada pelo desenvolvimento dessa brilhante tese.

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...

Quanto a conluios de grupo, não sei se os estás a imaginar à medida daqueles que também achas que só por cinismo se pode querer ser contra- refiro-me aos políticos do Estado e da situação, como já explicaste noutros lados.

Ora se tu achas cínica toda a crítica contra poderes podres por serem os poderes oficiosos e o contra-poder uma balela fácil, não percebo qual é então a maquinação tremenda em que o Ratzinguer ou o João Paulo II tenham andado envolvidos e as maleitas que com elas tenham provocado à humanidade ou apenas ao bom povo da guarda Suiça

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...

Um aparte

Acho curiosa esta inversão.

As pessoas mais críticas do poder único do Papa e da Igreja Católica são também as maiores defensoras do situacionismo político quando estes lhes parece “bafejado pela bondade” e superiormente moral, por natureza.

Eu, que tanto admiro a figura do Papa e tanto gosto até de uma Igreja Católica conservadora, sem aberturas democráticas, coesa, que se tiver de morrer que morra de pé, mas nunca se dissolva no mundo, sou geneticamente anti-situacionista em termos políticos.

E para isso nem preciso de olhar a etiquetas- basta-me olhar a “lugares demasiado aquecidos” e poderes corrompidos e fraudulentos. E nunca tive gosto por estar do lado do Poder e muito menos de costas quentes do lado dos vencedores.

A anarquia que me agrada há-de ir sempre interinha para esta banda.

Que é a "banda" mais próxima de nós e aquela em que ainda podemos ter uma pequenina palavra.