02 julho 2007

los liberales

Quando uma sondagem conduzida pela revista americana Liberty revelou que, entre os cinco autores neoliberais/libertários mais influentes, quatro eram judeus e vários runner-ups pertenciam também a esta tradição, eu não fiquei surpreendido com os nomes, porque os conhecia razoavelmente a todos (1).

Porém, foi nessa ocasião que, pela primeira vez, me interroguei como era possível que a cultura judaica, não possuindo tradições de vivência em liberdade e que, pelo contrário, viveu a maior parte da sua história sob condições de opressão, a ponto de as pessoas não serem sequer livres de revelarem a sua identidade cultural sem incorrerem no risco de discriminação, perseguição, ou até de morte, podia, assim de repente, produzir tantos autores liberais distintos.

Onde estava a tradição de liberdade, a experiência secular de vida em liberdade, na história do povo judeu que produzia este resultado surpreendente a partir de meados do século XX e que permitia, quase de um momento para o outro, que começassem a brotar dela autores liberais de primeiro plano, uns atrás dos outros? Na realidade, a tradição judaica parecia-me a mais improvável de todas as tradições para vir ensinar ao mundo como se vive em liberdade.

Tanto mais quanto é certo que, até aí, a literatura sobre a liberdade era uma literatura predominantemente católica, que tinha ganho um vigor particular nos séculos XVI e XVII em Espanha e Portugal com os escolásticos tomistas das universidades de Salamanca, Coimbra e Évora. Nos séculos XVIII e XIX esta literatura foi prosseguida, sobretudo na Grã-Bretanha mas também por autores predominantemente católicos, para dar origem à chamada escola do liberalismo clássico.

Até a origem da designação liberal é ibérica e, portanto, de cultura católica, tendo a palavra sido utilizada pela primeira vez nas Cortes de Cadiz em 1812, durante a guerra de independência espanhola contra as invasões napoleónicas, em que los liberales se demarcaram de los serviles. Esta acumulação de evidência em favor da cultura católica como a génese da prática e do pensamento liberal tem levado certos autores a olharem para a Península Ibérica como a região do mundo com maiores tradições de liberdade (2).

No mesmo sentido, o historiador britânico Paul Johnson, na sua monumental obra The History of the Jews, aponta a Península Ibérica como sendo, provavelmente, a região do mundo onde os judeus viveram o período de liberdade mais duradouro da sua história. Mas essa experiência única de liberdade já foi há tanto tempo que é improvável que ela tenha sido a semente que, colocada no seio da tradição judaica, fez brotar dela tantos autores liberais nos últimos 50 ou 60 anos.



Na realidade, não parece ter sido, porque o novo liberalismo - tal como já procurei demonstrar parcialmente em posts anteriores - é radicalmente diferente, e frequentemente está em clara oposição - com a tradição do pensamento liberal. É um liberalismo emanando de uma cultura que raramente teve a experiência de viver duradouramente em liberdade. E, se não existissem outras razões, esta seria suficiente para que ele seja um liberalismo que deve ser encarado com uma dupla precaução.

(1) http://www.richardkostelanetz.com/examples/jewish15.php
(2) http://www.acton.or/publicat/randl/interview.php?id=250

1 comentário:

Anónimo disse...

Até me revejo muito nessa categoria de liberais clássicos:Tocqueville,Burke,Acton,Alexandre Herculano...;mas não consigo entender aquilo que me parece ser um preconceito anti povo judeu:não equivalerá a tomar a árvore pela floresta?