09 julho 2007

em cada ano que passa


Na concepção católico-cristã, um homem é livre quando cumpre as suas obrigações para com os outros - todas as obrigações, quer as obrigações de natureza contratual quer as de natureza espontanea (v.g., as obrigações do pai e da mãe para com os seus filhos, a obrigação de cada homem de tratar bem os outros).

Numa sociedade livre, então, os conflitos entre os homens são minimizados ou inexistentes, e até a função clássica do Estado, que é a administração da justiça através dos tribunais, se tornaria praticamente dispensável. Os processos judiciais tenderiam para zero.


Numa época em que os números valem mais que os argumentos, ao procurar um indicador para caracterizar o grau de liberdade existente numa sociedade - e sabendo que nenhum é perfeito -, parece razoável escolher um indicador que exprima o grau de conflitualidade existente na sociedade e definir empiricamente a liberdade como sendo inversamente proporcional a esse indicador.


Um indicador que imediatamente ocorre, com a vantagem de para ele existirem estatísticas disponíveis, é o número de processos entrados em cada ano nos tribunais judiciais portugueses. Em 1960 foram 263 mil ou 30 por cada mil habitantes. Este número manteve-se estável até às vésperas da revolução de Abril, e até caíu ligeiramente: em 1973 foi de 229 mil ou 27 por cada mil habitantes.


Iniciou-se então o regime democrático e das chamadas liberdades democráticas. Em 1980, o número de processos judiciais entrados nos tribunais portugueses tinha subido para 487 mil (50 por cada mil habitantes). Dez anos depois, em 1990, tinha passado para 610 mil (62 por cada mil habitantes). Mais uma década, no ano 2000, era de 723 mil (73 por cada mil habitantes). E em 2004, o último ano para o qual existem estatísticas disponíveis, foi de 800 mil (81 por cada mil habitantes).


Julgando por este indicador, em trinta anos apenas - entre 1974 e 2004, o espaço de uma geração -, o nível de conflitualidade na sociedade portuguesa mais do que triplicou. Por este indicador, o Estado Novo presidiu a uma sociedade incomparavelmente mais livre do que o Estado Democrático actual. E a situação degrada-se em cada cada ano que passa.

2 comentários:

ablogando disse...

Não esquecer que a manutenção das aparências quanto a uma sociedade tranquila era muito importante para o regime e que muitos dos conflitos existentes nunca foram a tribunal, porque havia uma dissuasão implícita no tipo de autoridade que vigorava. Era também muito fácil, aliás, ser-se acusado de qualquer tipo de colaboração ou de militância com a oposição, o que levaria à prisão. Devo dizer-lhe que um crime gravíssimo cometido contra um membro da minha família, que daria hoje azo a uma pena pesada a aplicar a quem o cometeu, nunca foi a tribunal, exactamente por esse motivo, já que, então, a família do queixoso, ficaria reduzida à miséria.

Nuno Nasoni disse...

Receio que esse indicador possa levar à conclusão de que a ex-URSS foi das sociedades mais livres do mundo moderno (competindo, por exemplo, com a China maoísta).
Os EUA, imagino, constituirão uma das sociedades menos livres.