O ponto de partida consiste nalgumas críticas que os liberais costumam fazer ao funcionamento dos regimes democráticos. Concretamente, ao excessivo intervencionismo estatal, que se tem vindo a agravar, e que resulta da convicção de que o poder democrático, por o ser, não deve conhecer outros limites que não sejam os impostos pelos governantes sufragados pelo voto popular.
Este conceito de democracia identifica-a com a democracia popular e jacobina saída da Revolução Francesa e da pena de Jean-Jacques Rousseau. Pressupõe os governantes como intérpretes e executantes da «volontée générale», e esta enquanto a vontade do povo soberano expressa nas urnas e delegada no resultado do sufrágio. No fim de contas, trata-se de transformar a democracia, que essencialmente consiste num método de designação e legitimação dos governantes, num mandato ilimitado para o exercício do poder.
Infelizmente esta interpretação tem sido muito frequente. No seu limite máximo, ela poderá levar ao terror do «governo popular», como sucedeu na própria Revolução Francesa, ou a outros modelos de colectivismo, tais como, no século XX, o sovietismo, que foi uma das expressões do soberanismo rousseauniano. No seu limite mais brando, ele encontra-se em muitos países ocidentais, nos quais os parâmetros da intervenção do Estado na vida social são cada vez mais ténues, e frequentemente determinados pelos governos monopolizadores do poder legislativo e executivo. Aqui, apesar de se manter o respeito pelos direitos fundamentais dos indivíduos (que são, muitas vezes, reinterpretados e diminuídos), as traves mestras da sociedade liberal – propriedade e liberdade individual – são frequentemente postas em causa em nome do «interesse público», ou da «vontade popular sufragada». Nessa medida, os textos constitucionais, onde se consagram os direitos fundamentais das sociedades liberais, são encarados com alguma indiferença e distância, passando a sua delimitação diária a ser feita pela lei.
Os liberais não podem, obviamente, apreciar isto. Menos ainda, que esse intervencionismo seja determinado por uma legitimidade democrática que é, muitas vezes, pouco mais do que formal, se atendermos às vicissitudes por que passam muitos regimes e sistemas democráticos, e as dificuldades legais e práticas que os cidadãos comuns, isto é, os que não pertencem à classe política, têm para participar na vida política. Mas, por outro lado, não ignoramos que a democracia é o mais importante padrão civilizacional do nosso tempo, que foi construído à custa de muito sacrifício, e que, mesmo assim, não tem ainda validade universal. Por isso, como Churchill, um bom liberal não se cansará nunca de repetir que «a democracia é o pior sistema de governo, com excepção de todos os outros».
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