05 julho 2007

da claustrofobia democrática


Tem sido tema de conversa animada, nos últimos meses, a «claustrofobia democrática» que supostamente o PS impôs ao país. Eu não sei se estou enganado, mas tenho ideia de ter já ouvido esta mesmíssima conversa nos tempos áureos do cavaquismo, assim como a terei escutado durante o breve consulado de Santana Lopes, antes de ser remetido para a Ilha de Santa Helena donde ainda não regressou.
De algum modo, a «claustrofobia» é, também, uma outra versão do «pântano» gutérrico, que sensivelmente traduz a ideia de que a classe política asfixia o país e lhe retira algumas das suas liberdades essenciais. No tempo de Santana, o venerando presidente Sampaio recebeu o professor Marcelo em Belém, e punha sempre um carão grave quando a comunicação social o interrogava sobre «as liberdades». Com Soares no comando o assunto teve, também, a gravitas que merece. Ficou na memória de todos a sua elegante proclamação de renúncia ao estatuto de «Rainha da Inglaterra», em forma de afirmar a «sobrevivência» democrática das instituições ameaçadas pelo cavaquismo.
Curiosamente, têm sido os políticos «asfixiados» da oposição quem, num futuro breve, uma vez no governo, se tornam nos torquemadas das nossas liberdades, aos olhos dos anteriores «asfixiadores». Obviamente que fazem o que fazem porque os deixam. Ou melhor, porque a democracia ilimitada, a soberania popular absoluta, é tão, ou mais, propensa ao abuso de poder do que as ditaduras mais desavergonhadas. A razão é simples: a legitimidade do voto popular, sem rígidos limites ao exercício do poder, permite fazer tudo e o seu contrário. Confere uma razão moral ao livre arbítrio de quem manda. Daí ao abuso é um pequeno e inevitável passo.
Na verdade, a democracia como ideologia política de governo envenena as liberdades democráticas.

4 comentários:

Gabriel Silva disse...

Caro Rui, ainda agora lia Thomas Jefferson: “the will of the majority, to be rightful, must be reasonable.

ablogando disse...

E em que consiste o "reasonable"? Não lhe parece que é exactamente esse o problema?

Eduardo disse...

Curioso verificar que esta "claustrófobia democrática" incomoda sobretudo os apaixonados por Salazar. Como quem diz: pode não haver democracia, mas nós é que percebemos disso.

Anónimo disse...

Pode até ser, quem está na oposição queixa-se amargamente e quando lá chega faz igual ou pior.

Mas não me lembro de um clima como o actual! Sim, eu nasci depois do 25 de Abril...