27 abril 2007

judeus



Um pouco movido por esta minha bizarra veleidade de presumir que posso ainda aprender alguma coisa com esta idade, dei por mim a ler um livro de um conhecido socialista francês, Jacques Attali, sobre um tema que anda ultimamente na berra na blogosfera nacional: os judeus.
O título do livro, entre o conspirativo e o histórico, não deixa espaço a ilusões sobre o seu conteúdo: «Les Juifs, le monde et l’argent», nele se descrevendo pormenorizadamente o que o povo judeu tem passado ao longo da história, e tentando estabelecer, com rigor histórico, as suas sempre tão afirmadas relações com os temas recorrentes do dinheiro e da alta finança.
Segundo Attali, os valores mais firmes do judaísmo forjaram-se numa diáspora, que tem sido particularmente dura ao longo dos séculos, e concebem três pilares fundamentais sobre os quais sustentam a sua doutrina económica: trabalho, concorrência e solidariedade. O objectivo evidente seria o de «fixer les milleures conditions de survie du groupe en milieu étranger» (p. 61). Mais do que compreensível, portanto.

Estas regras existenciais, sem dúvida próprias de gente honrada e trabalhadora, foram especialmente desenvolvidas nas comunidades judaicas da diáspora, por compreensíveis razões de sobrevivência individual e de grupo, tendo originado uma forte coesão interna e a laços de solidariedade e auxílio intensos estabelecidos entre os seus membros. Razão pela qual, os judeus e as suas comunidades foram vistos frequentemente de soslaio e com alguma desconfiança pelas outras pessoas das comunidades a que não pertenciam. Acresce a isto que sendo gente trabalhadora e organizada, frequentemente conseguindo sucesso à custa do seu esforço e da sua inteligência, irritavam mais ainda. Como é sabido, a «lei do menor esforço» é o primeiro postulado do comportamento económico da maior parte dos seres humanos. Se alguém trabalha, progride e enriquece, ainda que esforçada e legitimamente, dificilmente escapa à crítica e à censura. Quando não a acusações de enriquecimento ilícito. Como nós, os portugueses de hoje e de sempre, bem o sabemos…

É nas suas últimas páginas que o livro de Attali ganha mais interesse para a ponderação das teorias do «anti-sionismo económico», segundo as quais o domínio judaico dos grandes interesses económicos e financeiros do mundo resulta numa evidência. Diz o velho socialista francês que, hoje em dia, «três rares sont les entreprises restées proprement juives» (p. 558). Enumera, em seguida, uma série de grandes empresas americanas, entre elas a Walt Disney, a Time Warner, a Warner Music, a ABC, a CBS, a Microsoft, a Oracle, a Reuter (inglesa), a Newhouse (imprensa escrita), fundadas por judeus, que já não pertencem às famílias dos seus fundadores e não são propriamente «controladas» (conceito um pouco bizarro numa grande multinacional) por judeus. Depois enumera um conjunto de bancos fundados por judeus, que foram imensamente importantes no século XIX – Warburg, Seligman. Bichoffsheim, Khun-Loeb, etc., e que, entretanto, se tornaram insignificantes no nosso tempo. A Salomon Brothers e a Chrysler, potentados empresariais fundados por judeus, também já não pertencem às famílias dos seus fundadores. Na Europa, alega o autor, os grandes bancos judaicos, desapareceram na 2 Guerra Mundial, e não renasceram no seu término. Exemplo extremo: o Deutsche Bank, fundado pelo judeu Ludwig Bamberger, não tem qualquer ligação actual a judeus. Conclusão de Attali: «il n'y a plus - ou presque plus - d' "argent juif"» (p. 559). O que não significa, obviamente, que não existam judeus no mundo dos negócios ou na direcção de grandes empresas financeiras. Também era o que mais faltava! Mas o mito do férreo controlo do mundo financeiro pelo «povo eleito», onde, na verdade, existem inúmeros outros actores que nada têm a ver com esse povo, bem como a sua perda de controlo de muitas instituições que foram suas e já não são, demonstra que não passa disso mesmo: de um mito.



É evidente que o mito perdura, sobretudo quando situado no chamado «anti-semitismo económico e político», este último focado, sobretudo, nas relações e nas conveniências estabelecidas entre o Estado de Israel e as várias Administrações norte-americanas. Estas formas de «anti-semitismo» não escolhem intérpretes específicos, envolvendo, até, conhecidos intelectuais americanos e judeus, como Noam Chomsky, que por várias vezes assumiu posições públicas contrárias aos interesses geopolíticos do Estado de Israel. O que deita por terra, também, o mito da ilimitada solidariedade entre os judeus.



Dei por mim a pensar nestas e noutras questões graças ao excelente trabalho intelectual de Pedro Arroja, consubstanciado nestes dois «post» publicados no «Blasfémias», seguidos a estas duas citações também aí editadas em tom de franca provocação. O que, curiosamente, para mim sobressaiu no que escreveu, foi verificar uma profunda identidade entre aquilo que Arroja afirma sobre a ligação do lobby judaico americano à Casa Branca e à política de Israel no Médio Oriente (as questões da defesa da guerra preventiva por Gary Becker, a bomba atómica israelita e os idênticos direitos dos outros Estados regionais, as posições oficiais no caso dos «cartoons» de Maomé, etc.), com o que diz alguma esquerda europeia. Francamente, as suas posições em relação a este assunto (como anteriormente em relação aos «neocons») são claramente de esquerda. Do meu ponto de vista, baseadas num preconceito, note-se bem, entendido literalmente como um conceito estabelecido antes da verificação dos factos, sobre a influência real do povo judaico e do Estado de Israel no mundo e na política americanas. Preconceito que, basta abrir um jornal diário, é, de facto, dominante na intelligentsia europeia, contra Israel e, deixemo-nos de tretas, o seu povo, os judeus.

Por mim, do ponto de vista do liberalismo, que não tenho nem por ser de esquerda nem de direita, é uma posição, à semelhança de muitas outras, intelectualmente admissível. Como é, também, refutável. Desde que o seja com factos e não com outros preconceitos.

25 comentários:

Anónimo disse...

Diz o Pedro Arroja
"Presumo que os intelectuais de cultura judaica são sempre mais fieis à sua cultura do que à verdade e que, em caso de conflito entre ambas, optam pela primeira em detrimento da segunda - e sem hesitação."

Diz o rui
a.
"Por mim, do ponto de vista do liberalismo, que não tenho nem por ser de esquerda nem de direita, é uma posição, à semelhança de muitas outras, intelectualmente admissível"

Tenho que concluir que para o rui a. de facto não há posições que não sejam intelectualmente admissíveis...

caramelo

ultrasilent disse...

"Estas formas de «anti-semitismo» não escolhem intérpretes específicos, envolvendo, até, conhecidos intelectuais americanos e judeus, como Noam Chomsky, que por várias vezes assumiu posições públicas contrárias aos interesses geopolíticos do Estado de Israel."

Criticar o Estado de Israel não é automaticamente anti-semitismo. Isso é como dizer que criticar o governo americano é atacar as tropas no Iraque. É redutor e é falso.

SV disse...

«Criticar o Estado de Israel não é automaticamente anti-semitismo. Isso é como dizer que criticar o governo americano é atacar as tropas no Iraque. É redutor e é falso.»

Eu não o teria dito melhor.

Anónimo disse...

Estimados Ultrasilent e SV: independentemente do que dizem, a verdade prática é que as teorias de anti-semitismo criticam o governo e a nação de Israel.

Digo eu...

Saloio

ultrasilent disse...

"Estimados Ultrasilent e SV: independentemente do que dizem, a verdade prática é que as teorias de anti-semitismo criticam o governo e a nação de Israel."

É verdade. Normalmente os anti-semitas criticam Israel. O que eu digo não ser verdade é o contrário. Quem critica Israel não é automaticamente anti-semita.

Anónimo disse...

Caríssimos,

Compreendo o argumento. Mas, pergunto, Israel não é o país dos judeus? O Estado que eles criaram, onde vivem e que governam? Na direcção do qual se têm sucedido governos de diferentes cores políticas, democraticamente eleitõs? Então?...

Anónimo disse...

Caríssimos,

Compreendo o argumento. Mas, pergunto, Israel não é o país dos judeus? O Estado que eles criaram, onde vivem e que governam? Na direcção do qual se têm sucedido governos de diferentes cores políticas, democraticamente eleitõs? Então?...

Anónimo disse...

O anterior comentário é meu.

rui a.

Anónimo disse...

E os judeus não são aqueles que, para além de terem narizes compridos e ar de doninha, também faltam à verdade? Então?...

caramelo

Anónimo disse...

"Criticar o Estado de Israel não é automaticamente anti-semitismo. Isso é como dizer que criticar o governo americano é atacar as tropas no Iraque. É redutor e é falso."

As críticas as Israel colocam muitas vezes a sua própria existência em questão. Essas críticas não são comparáveis ás críticas contra os americanos.

Lucklucky

Anónimo disse...

«E os judeus não são aqueles que, para além de terem narizes compridos e ar de doninha, também faltam à verdade?»

Onde é que leu isso?

Anónimo disse...

"Onde é que leu isso?"

Onde é que li isso? Em lado nenhum. Viu algumas aspas no comentário? Porque é que pergunta? Acha a frase muito chocante?

caramelo

Anónimo disse...

«Acha a frase muito chocante?»

Acho, por princípio, chocantes as generalizações. Anatómicas ou outras. Já tenho escrito sobre isso.

zazie disse...

Eu também fico sempre chocadíssima quando chamam anões àquelas pessoas muito pequeninas.

E já publiquei um paper sobre o assunto

zazie disse...

Mas tive a sorte da comunidade académica não me ter detectado nenhuma síndrome chomskyana.

Filipe Brás Almeida disse...

«trabalho intelectual de Pedro Arroja»

Oxímoro.

Anónimo disse...

Anónimo, acho que faz muito bem em achar chocante. É claro que o menos importante naquela minha frase é o aspecto anatómico. Muito pior é aquela treta sobre a falta de fidelidade à verdade por parte dos intelectuais judeus. Eu a isso chamo anti-semitismo, porque sou um gajo muito tradicionalista. Mas parece que agora não é muito correcto chamar-se isso. O correcto é dizer-se que a coisa é "politicamente incorrecta" e uma manifestação de liberdade de expressão. E chamar imbecil a quem diz uma coisa dessas, então, é que seria um ai jesus...

zazie, não tem nada a ver com isso.

caramelo

zazie disse...

tem, tem. Já foi provado cientificamente que a síndrome de chomsky se manifesta com sintomas de preconceito esquerdalho.

E dizem que tanto se pode notar pelo crescimento do nariz como na paulatina diminuição da altura

zazie disse...

Já no caso da síndrome rabínica acontecem outros fenómenos mais complicados. Um deles é a diminuição do proboscídio nasal e o outro é mais íntimo e, felizmente, só ataca o género masculino

filipe canas disse...

Rui A.,

É interessante o argumento do seu post.

É uma posição com a qual me identifico.

Não percebo é a linha de argumentação nos comments. Uma pessoa é anti-semita por criticar algumas políticas do Estado de Israel?

Custa-me ainda um bocado prender-me a uma identificação quase cega entre a vontade popular e a vontade do Estado.

Mesmo nas democracias mais avançadas o Estado e as suas políticas não são necessariamente reflexo do povo.

Pode-se criticar as políticas do Estado de Israel sem criticar o povo Israelita.

Já agora, e a título de provocação: sabendo o que se sabe hoje, se voltássemos a 1948, fundava-se o Estado de Israel ou não?

ultrasilent disse...

"As críticas as Israel colocam muitas vezes a sua própria existência em questão. Essas críticas não são comparáveis ás críticas contra os americanos" - luckylucky

Colocar a existência do Estado de Israel, da maneira como ele agora existe, em questão não é a mesma coisa que dizer que os judeus são isto e aquilo. Não é antísemitco. É antisionista. E há uma grande diferença. Há judeus que são antisionista, que não apoiam a criação, ou existência, de um Estado para judeus. Esses judeus (e não judeus) são constantemente, e erradamente, acusados de antisemitismo. Não é sempre verdade que sejam antisemitas. Eu não sou antisemita. Não tenho nada contra os judeus. Nem julgo os judeus por serem judeus. Por essa razão, sou contra a existência de um Estado de Israel nos moldes em que existe hoje em dia. O que não quer dizer que eu apoio a pulverização dos habitantes.

Anónimo disse...

Ó Ultrasilent, com todo o respeito: já vi que o senhor gosta de fugir da realidade, e que para si o estado de Israel não devia existir - mesmo por decisão da ONU.

Se está a pensar em termos de ocupação "indevida" olhe que Israel ficou com muito menos do que outros países árabes (como o Egipto, a Jordânia, etc.). Esses é que ficaram com 90 % do território palestiniano.

Para si é mais romantica a história do "judeu errante". Só que na vida real...

Digo eu...

Saloio

SV disse...

«Anónimo said...
Estimados Ultrasilent e SV: independentemente do que dizem, a verdade prática é que as teorias de anti-semitismo criticam o governo e a nação de Israel.

Digo eu...»

Já o inverso não é verdadeiro: nem todos os críticos do Estado e governo de Israel são anti-semitas.

Pode-se acusar os judeus Noam Chomsky e David Grossman de anti-semitismo?

A opinião crítica sobre a política de Israel no mundo não é indissociável da "condição" judaica do seu povo.

ultrasilent disse...

Não me referia à questão das fronteiras. Referia-me à discriminação contra os cidadãos israelitas não-judeus. Admito que me exprimi mal. Mas a ideia era dizer que, não sendo antisemita, posso ser antisionista, querendo dizer que sou contra um Estado de Israel em que judeus são cidadãos de primeira e os não judeus são cidadãos de segunda.

Anónimo disse...

Comentário sobre esta questão no Blasfémias (que bloqueou o meu IP entretanto, liberalices...):

"É só papos LR, se você fosse judeu não teria escrito nada disto." - creTINA, uma entre muitas/os...

Essa é, de facto, uma concepção típicamente sionista, a do egocentrismo comunitarista. O judeu, na perspectiva sionista, é sempre a favor do judeu, tenha ele ou não razão, seja ele o perseguido e massacrado ou o carrasco e ocupante. O direito e a moral estão ausentes deste pronunciamento. Apoia-se o judeu porque ele é judeu. Só por isso. E rouba-se a terra do outro só porque se tem a força para o fazer, o que não dá resposta satisfatória a esta questão: e se a força mudar ?

Ora isso é profundamente racista e incompatível com a ideossincrasia europeia. Na nossa cultura política pós-45, todos os povos do mundo são iguais e os conflitos resolvem-se tomando por referência normas ético-jurídicas universalizáveis (que possam ser reconhecidas como justas por todos), segundo a lição de Kant. O europeu da UE (culto e não cretino, ça va de soi) é assim pró-judeu, não sistematicamente, mas apenas quando o judeu é vitima de discriminação e genocídio, e anti-sionista quando o sionismo oprime, massacra e ocupa. Só assim há coerência e justiça. Não vivemos num mundo de aliados e inimigos imutáveis, ao sabor de alianças baseadas, não no direito, mas num prescrito estado de necessidade pré-45. É isso que o poder sionista e o seu lacaio buhista esquecem, perfilhando o unilateralismo e a irrelevância do direito internacional, e com isso fazendo perigar a paz do mundo, já que o unilateralismo legitima o unilateralismo oposto e nem sempre o que parece mais forte o vem a demonstrar, como se viu no Iraque e no Líbano e ainda se verá melhor no futuro.

Foi isso, por outras palavras, o que P. Arroja disse, e é pena que não o possa continuar a dizer, por acção de ignorantes e cretinos, bloggers ou comentadores, que manifestamemte não mereceram a sorte, nem mediram o privilégio, de o terem tido aqui.

Parece que alguns ainda não compreenderam que, a não ser que algo de radical aconteça entretanto, o Blasfemias ficou ferido de morte, indo inelutavelmente definhar. Os homens não são iguais, e são raros os que são originais e pensam com autenticidade. Que geram valor acrescentado, não se limitando a repetir lugares comuns, cinzentices e patetices politicamente correctas. E só com esses é que vale a pena trocar ideias. O resto é perda de tempo. Porque a mediocridade atrai mediocridade e a excelência atrai excelência. O bando dos 4 escolheu boçalmente a primeira e não é com patéticas e "liberais" censuras e bloqueios de IP's (grotesca censura e cobardia de eunucos intelectuais) que vai impedir que isso se vá tornar cada vez mais claro.

Pedro Arroja fará o que decidir, mas eu se estivesse no seu lugar criava um blogue ("Arrojado", era uma boa ideia), ou juntava-me a um existente, de nível intelectual conveniente, e arrombava literalmente com o Blasfémias, eventualmente aspirando deste os elementos válidos.

Isso poderia ser feito em dois meses, como fez o saudoso Espectro, deixando literalmente o CAA com as calças na mão, depois da canalhice que fez à Constança e aos que com ela se solidarizaram. Ora, sem desfazer desta e sobretudo do VPV, eu acho que o Pedro Arroja tem ainda mais força "blogosférica".

Pedro Arroja, faça-nos esse favor. Faça jogar a concorrência e mostre a estes badamecos do miserável Bando dos 4 como é que se bloga a sério... O estudo de mercado está feito. Os riscos são nulos. E eles merecem uma boa lição.