04 abril 2006

o equívoco fatal


A «Pública» de hoje (link indisponível), à semelhança de outros jornais e revistas portuguesas nas últimas semanas, incluí uma reportagem sobre a agitação que se vive em França, em torno do denominado «contrato de primeiro emprego» e a sobrevivência do Estado Social.
No essencial, o que as pessoas pedem - principalmente os jovens - é mais protecção por parte do Estado e garantias quanto ao futuro das suas carreiras e dos postos de trabalho que esperam vir a ocupar.
Existe nisto um enorme e trágico equívoco, tão trágico quanto a falta de noção de que o que é pedido é precisamente o que originou o elevado índice de desemprego e a abundância de trabalho de fraca qualidade e mal remunerado, de que as sociedades europeias padecem.
Na verdade, a escassez de trabalho não significa outra coisa que não escassez de recursos e de riqueza. Quando esta não existe numa sociedade, não há emprego: porque não pode haver investimento (ou há pouco), e porque é impossível remunerar trabalho sem que haja recursos. Assim, o que os manifestantes exigem - em França e um pouco por toda a Europa - é que o Estado lhes ofereça o que não tem para dar, não pode e não deve dar: o dinheiro que não tem e a riqueza que não produz.

Os socialistas e, em geral, os defensores do intervencionismo, andaram décadas a convencer-nos que o Estado podia estimular o crescimento económico criando a ficção do optimismo e desvirtuando o funcionamento natural do mercado, com auxílios directo e indirectos às empresas, com a criação de empregos na administração pública, o lançamento de «investimentos públicos produtivos» e com taxas de juro artificialmente baixas.
Porém, como o demonstra a situação actual das nossas sociedades vítimas dessas políticas, é exactamente o inverso que resultou delas: o Estado não gera riqueza, e a «riqueza» que cria por via indirecta, com as medidas de intervenção «correctoras» das célebres «injustiças do mercado», não é real. Logo, mais tarde ou mais cedo, essa falsa prosperidade não apenas se desvanece, como a sua criação artificial (com custos elevados e para satisfazer «necessidades» inexistentes) comportará consequências sociais graves. Nomeadamente, as que decorrem de terem sido mantidas em postos de trabalho desnecessários e não produtivos, pessoas que poderiam estar, de facto, a trabalhar e produzir noutros lugares.

Qual é, então, a maneira das nossas sociedades aumentarem os níveis de emprego e, como pretendem os manifestantes, «garantirem o seu futuro»? A resposta poderá não ser tão complexa quanto se julga: gerando riqueza e, sobretudo, permitindo que ela possa ser acumulada para investimento por quem a cria, em vez de ser disseminada para pagar a dívida pública. Esta, em vez de continuar a devorar os rendimentos de quem efectivamente os produz, que seja paga pelos activos que os Estados detêm: as empresas públicas, os imóveis, as reservas e as aplicações financeiras, etc. Por outras palavras: o Estado que se responsabilize e pague com o que é seu aquilo que gasta. De outra maneira, e enquanto os cidadãos não conseguirem acumular as mais valias do seu trabalho, não poderão investir aquilo que não têm.

Numa economia de mercado livre baseada no lucro, quem ganha investe e quem não investe não ganha. Não é, por conseguinte, a proteger o que não há ? o emprego se não existirem empresas que necessitem de trabalhadores, o trabalho se não houver trabalho para fazer, os salários se não se tiver dinheiro para distribuir ? que se resolverão os nossos problemas.
Numa sociedade capitalista onde quem produz e trabalha pode acumular as mais valias que resultam do seu esforço, são os próprios empresários e empregadores que garantem o emprego. Nenhum patrão despede se precisar de mais trabalho para produzir mais, vender mais e lucrar mais. Mas, se não tiver trabalho e não o terá se não acumular riqueza, não poderá fazer outra coisa senão despedir aqueles a quem não pode pagar.

O keynesianismo, que entorpeceu a Europa ocidental no século XX com promessas do pleno emprego garantido pelo Estado, adormeceu as nossas sociedades, desresponsabilizou os indivíduos, empobreceu os países, as economias nacionais e as empresas privadas, criou e instalou verdadeiras plutocracias políticas e burocráticas, e gerou desemprego e miséria, em vez de emprego e prosperidade Os cidadão europeus devem exigir menos Estado, mais desregulamentação e menos proteccionismo, e não o contrário. De outro modo, só veremos agravar a situação actual.

2 comentários:

Pedro Sá disse...

Oh si cariño, até parece que um disparate desses em Portugal não teria como consequência imediata despedimentos de gente capaz para serem substituídos pelo filho do amigo e etc.

Anónimo disse...

«Numa sociedade capitalista onde quem produz e trabalha pode acumular as mais valias que resultam do seu esforço, são os próprios empresários e empregadores que garantem o emprego. Nenhum patrão despede se precisar de mais trabalho para produzir mais, vender mais e lucrar mais.»

Acho que você fala do que não sabe. O problema é que os empresários que refere têm muito pouco de cidadãos virtuosos e acumulam cada vez mais para si próprios à custa da precariedade e ausência de protecção social dos que trabalham. E essa retórica da flexibilidade não passa de uma estratégia para ocultar o lado mais opressivo e explorador do sistema.
Aconselho-lhe um bom banho de realidade. Veja o que está a acontecer com a proliferação selvática dos recibos verdes e contratos a prazo e pense bem nas VERDADEIRAS causas por detrás deste abuso.
Os defensores do neoliberslismo deviam ter mais cuidado com o que desejam, pois um dia pode chegar a sua vez e dos seus filhos de provarem os remédios milagrosos que agora receitam com tanta ligeireza. O problema é que os economistas e outros tecnocratas têm uma incapacidade chocante para perceberem as perigosíssimas implicações psicológicas e sociais de certos fenómenos como a precariedade e a tão apregoada flexibilidade. Deviam talvez estudar mais sociologia e psicologia, assim como mais livros de história, para reavivar a memória e perceber as situações apocalípticas a que o mal-estar social continuado pode facilmente conduzir.
O que aconteceu em França é apenas o começo de algo que se poderá vir a tornar incontrolável por toda a Europa. É que os seres humanos, como alguém disse um dia, não conseguem suportar demasiada realidade. E quem ainda não percebeu esta verdade básica, não percebe nada de nada.
Daqui a uns tempos conversamos...

MD